domingo, 25 de outubro de 2009

Nona Sinfonia de Beethoven - Análise por Berlioz (Segunda Parte)

A primeira parte deste post foi publicada aqui. Lembramos que o texto que se segue é uma tradução do texto original de Berlioz.

Continuação do texto de Berlioz

O primeiro andamento tem uma majestosidade sombria e não se assemelha a nenhuma outra composição que Beethoven tivesse escrito antes. A Harmonia é por vezes excessivamente provocadora: Os padrões mais originais, os gestos mais expressivos abundam e orientam a nossa atenção em todas as direcções mas sem causar nenhuma confusão ou excesso. Bem pelo contrário o resultado é perfeitamente claro e as numerosas vozes orquestrais que suplicam ou ameaçam, cada qual da sua maneira e estilo particular, parecem formar uma voz única tal é a carga emocional que as guia.


Este Allegro Maestoso, escrito em Ré Menor começa não obstante com um acordo de Lá sem a terceira, por outras palavras com as notas Lá e Mi sustentadas como uma quinta e tocadas como um arpégio acima e abaixo pelos primeiros violinos, violas e Contra-Baixos. O ouvinte não sabe assim se está a ouvir o acorde de Lá Menor, Lá Maior ou o da dominante de Ré. Esta ambiguidade tonal fornece um grande poder e carácter à entrada da Orquestra completa no acorde de Ré Maior. No fim do andamento há momentos que que levam as almas às suas profundezas. Seria dificil ouvir algo mais profundamente trágico que a canção dos instrumentos de sopro por baixo com uma frase cromática tocada em tremolo pelas cordas e que sobe gradualmente como o rugir do mar antes de uma tempestade que se aproxima. Esta é uma passagem de magnifica inspiração.


Em várias ocasiões neste trabalho falaremos de conjuntos de notas que não ser descritas como acordes e seremos forçados a admitir que a razão para estas anomalias nos escapa completamente. Por exemplo na página 17 do magnífico andamento que estivemos a descrever existe uma passagem melódica para clarinetes e fagotes, que é acompanhada da forma que se descreve de seguida na tonalidade de Dó Menor: O baixo toca primeiro um Fá sustenido suportando uma sétima diminuída, depois um Lá que suporta uma terceira, uma quarta e depois uma sexta aumentada e depois finalmente Sol sobre o qual as flautas e os oboes tocam as notas Mi Bemol, Sol e Dó o que dá um acorde seis-quatro. Isto seria uma excelente resolução do acorde anterior se os segundos violinos e violas não juntassem à harmonia as duas notas Fá e Lá bemol que o desfiguram e causam uma impressão de desagradável confusão que felizmente é de curta duração. Esta passagem é de uma notação leve e completamente livre de qualquer aspereza. Assim é me difícil entender aquela quadrupla dissonância que é introduzida de forma tão estranha e completamente sem razão aparente. Poderíamos supor que se trata de um erro de cópia mas uma inspecção cuidadosa desses dois compassos e dos que o precedem dissolvem todas as dúvidas : essa é efectivamente a intenção do compositor.



O Scherzo Vivace que se segue não contém nada do mesmo tipo. Existem efectivamente algumas notas pedal na tónica e na voz média e superior que são sustentadas pelo acorde dominante. Mas já referi anteriormente a minha opinião sobre essas notas que são estranhas à harmonia e este exemplo não é necessário para demonstrar a excelente utilização que podem ter quando aparecem de forma natural na lógica musical. É especialmente pela utilização do ritmo que Beethoven conseguiu tornar esta deliciosa brincadeira tão interessante.O Tema com a sua resposta em jeito de fuga com quatro compassos de atraso é de uma grande vitalidade e brilha com inteligência quando a resposta chega um compasso antes e segue uma forma ternária em vez do ritmo binário inicial. 



A parte central do Scherzo é composta com um presto em tempo duplo cheio de alegria rústica. O tema é desenvolvido sobre uma nota pedal intermediária que tanto está na tónica como na dominante acompanhada por um contra-tema que se harmoniza igualmente bem com qualquer uma das notas, a dominante e a tónica. A melodia volta a aparecer através de uma frase de uma frescura deliciosa no Oboe; depois de ficar presa por um instante na dominante do acorde maior de Ré finalmente floresce na tonalidade de Fá natural de uma forma que é tanto graciosa como inesperada. Este é um outro eco das impressões subtis de que Beethoven tanto gostava, impressões que nascem pela visão de uma paisagem pacifica e radiante, de ar puro e dos primeiros raios de luz na madrugada de um dia de primavera.



No Adagio Cantabile o principio da unidade é tão pouco respeitado que poderíamos pensar nele como sendo dois movimentos separados em vez de um único. A primeira melodia em Si bemol é seguida por uma em Ré Maior. O primeiro tema ligeiramente alterado e variado pelos primeiros violinos aparece pela segunda vez na tonalidade original e lidera o retorno à melodia em tempo triplo não modificada e sem qualquer tipo de embelezamento mas agora na tonalidade de Sol Maior. Depois deste primeiro tema finalmente estabelece-se e não mais permite que o tema rival capte a atenção do ouvinte. Para compreender este maravilhoso adágio é necessário ouvi-lo repetidamente para nos tornarmos completamente familiares com tão original forma. Quanto a beleza de todas essas melodias, a infinita graça dos ornamentos que as decoram, os sentimentos de triste ternura, desespero apaixonado e sonhadora religiosidade que exprimem, se as minhas palavras pudessem dar uma ideia ainda que aproximada delas então a música teria encontrado na palavra escrita um rival a que nem o maior dos poetas se poderia opor. É um movimento imenso e uma vez que que o ouvinte sucumbe ao seu charme a única resposta à critica que o compositor violou a lei da unidade é: Tanto pior para a lei!

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