segunda-feira, 30 de abril de 2012

Kachaturian - Concerto para Violino

Falamos desta obra quando da votação do concerto de violino preferido porém hoje resolvemos retomar essa descrição porque não estamos totalmente satisfeitos com o que referimos na altura.

Este concerto foi composto em 1940 em plena Segunda Guerra Mundial e dedicado ao grande violinista David Oistrakh  . Tem três andamentos numa forma bastante "clássica" que na forma (rápido-lento-rápido) quer na parte melódica ou harmónica. Considerando que nesta mesma altura na ex-União Soviética existiam génios como Prokofiev ou Schostakovich é fácil perceber que Kachaturian seja visto como um compositor de segundo plano - injustamente qualificado apenas como um "homem do sistema" embora seja verdade que foi dos que mais apoiou o regime soviético - não sem ter tido a seu tempo os seus problemas.

Se é fácil de perceber essa comparação diga-se que não me parece inteiramente justificada tal como não muito explicável o facto deste concerto ser tão poucas vezes interpretado porque parece-me estar entre as grandes obras do século XX.

No que diz respeito ao concerto propriamente dito desta vez escolhi para ilustrar o mesmo uma interpretação pela Orquestra Sinfónica da Gulbenkian sendo solista Gareguin Aroutiounian.

Kachatourian era de origem Arménia e creio que essa origem transparece de forma bastante clara quer nas melodias quer nos ritmos nitidamente orientais que percorrem a peça.

No primeiro andamento (Allegro con Fermeza) gosto especialmente da parte rítmica, repetitiva e um pouco agreste  (oiçam por exemplo perto do segundo 50" ou no 1:40")  e do contraste existente com as partes mais melódicas e doces (por exemplo no minuto 2:50). Escrito na forma de sonata segue o esquema clássico de exposição dos dois temas, desenvolvimento e recapitulação com uma breve coda no final. Nada de inovador desse ponto de vista, aliás esta obra deve ser apreciada pelo que transmite emocionalmente do que pela inovação.



O segundo andamento (Andante Sostenuto) é o meu preferido pela belíssima melodia que constitui o tema principal. Depois de um fortissimo da orquestra o andamento acaba num maravilhoso decrescendo.



Se o segundo andamento é essencialmente uma exposição de um enorme lirismo então o terceiro andamento (Alegro Vivace) representa sem dúvida a festa (este andamento inicia cerca do minuto 12:30). O andamento começa com um fortissimo da Orquestra para depois o solista entrar com um tema que sem dúvida (não conheço a música popular da Arménia mas nem seria preciso) é inspirado num tema popular deste País. Aliás todo este andamento esta repleto de referências à música popular desse país de que aliás Kachaturian fez recolha.

sábado, 28 de abril de 2012

Debussy - Prelude à l´aprés-midi d´un Faune

Na sequência do post de ontem hoje iremos falar da obra de Debussy "Prélude à l´aprés-midi d´un faune" uma obra inspirada do poema do mesmo nome de Stephane Mallarmé

[...]
Tant pis ! vers le bonheur d’autres m’entraîneront 
Par leur tresse nouée aux cornes de mon front : 
Tu sais, ma passion, que, pourpre et déjà mûre, 
Chaque grenade éclate et d’abeilles murmure ; 
Et notre sang, épris de qui le va saisir, 
Coule pour tout l’essaim éternel du désir. 
A l’heure où ce bois d’or et de cendres se teinte. 
Une fête s’exalte en la feuillée éteinte : 
Etna ! c’est parmi toi visité de Vénus 
Sur ta lave posant ses talons ingénus, 
Quand tonne un somme triste ou s’épuise la flamme. 
Je tiens la reine ! 


                 O sûr châtiment.. 


                            Non, mais l’âme 


De paroles vacante et ce corps alourdi 
Tard succombent au fier silence de midi : 
Sans plus il faut dormir en l’oubli du blasphème, 
Sur le sable altéré gisant et comme j’aime 
Ouvrir ma bouche à l’astre efficace des vins ! 




Couple, adieu ; je vais voir l’ombre que tu devins.


Além de ser uma das obras mais conhecidas de Debussy esta peça marca o inicio de uma nova forma de compor por levar ao limite a noção de tonalidade. É uma obra que mantém o carácter impressionista de Debussy mas não é programática ou seja não pretende imitar ou descrever antes procura criar um ambiente emocional semelhante ao poema o que sem dúvida consegue. Aliás nesse aspecto nada melhor do que ouvir o que o próprio Debussy tem a dizer do assunto:

"A música deste prelúdio é uma ilustração muito livre do maravilhoso poema de Mallarmé. Não pretende de forma nenhum ser uma sintese do mesmo. Antes é uma sucessão de cenas pelas quais passam os desejos e os sonhos de um fauno no calor da tarde. Depois cansado de perseguir as ninfas e as naíades socumbe a um sono intoxicante no qual pode finalmente realizar os seus sonhos de possessão na natureza Universal".

Do ponto de vista da estrutura esta parece ser numa primeira aproximação uma espécie de composição livre mas uma inspecção mais cuidada revela células e motivos que se repetem. Esta forma de composição é também um prenuncio, um prelúdio ao que há de vir em termos estruturais. A melodia inicial tocada na flauta representa o instrumento que o Fauno toca sendo aos poucos submergido pela orquestra representando dessa forma o seu progressivo adormecimento e absorção  no sonho. As ténues linhas de desenvolvimento, a imprecisão dos contornos musicais são uma deliciosa interpretação dessas mesmas características que ecoam no poema e na pintura de Turner ou de Whistler de que Debussy era especialmente admirador.

Este poema sinfónico foi composto durante o ano de 1894 sendo estreado em Paris a 22 de Dezembro desse ano dirigido por Gustave Doret.

A obra intitula-se "prelúdio" dado que embora seja na verdade a única peça que chegou a ser composta Debussy tinha intenção de escrever uma trilogia (sim já na época era moda :-)). Mais tarde (1912) esta obra foi adaptada para bailado tendo sido interpretado pelo famoso Nijisnky. Uma interpretação polémica na altura aliás ...

Começando pela peça em orquestra proponho-vos uma interpretação pela LSO dirigida por Leopold  Stokovski pela celebração do seu nonagésimo aniversário, em duas partes desculpem o corte.





De seguida se desejarem proponho que apreciem também o bailado interpretado por Rudolf Nureyev.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Debussy - O prelúdio de uma série anunciada

Este post deve ser entendido "à la fois" como uma recomendação e como um prenuncio do que há de ser colocado em breve neste post. Na verdade temos à muito vontade de fazer uns posts sobre Debussy e como existirão agora umas quantas razões coincidentes nesse sentido lá terá de ser (será uma agradável obrigação diga-se em verdade).

Começamos como dizia no título em jeito de prelúdio com uma recomendação para Paris. Diz Alex Ross que não há alma musical que passe por Paris que possa perder a exposição de Debussy no Musée de L´Orangerie. O quadro que mostro é um dos meus preferidos, de Monet claro ...

E nós por aqui fazemos eco da recomendação para os parisienses e sobretudo para os portugueses afortunados que por lá passarão até dia 11 de Junho. Para quem não possa ir a Paris então recomenda-se que apontem desde já os vossos browsers para o site de France Musique porque no Sábado 28 às 16 será emitido o concerto La Mer sendo exploradas as relações existentes entre Debussy, Baudelaire e Verlaine e os pintores Turner, Whistler e Monet. Este concerto estará disponível para escuta no referido site durante um mês.

Como é costume não há post neste blog sem música pelo que neste caso proponho precisamente La Mer mais precisamente o seu primeiro andamento.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Na Outra Margem - Um programa de Música Erudita

Utilizo o termo Erudita porque é essa a assinatura do programa. Já existiu e infelizmente terminou na rádio "normal" voltou agora pela net. E em boa hora voltou com a mesma autoria de Manuela Paraíso.

Todas as Quarta-Feiras poderemos ouvir um novo programa. O primeiro programa que já foi emitido pode ser ouvido aqui. Neste primeiro programa aborda-se o compositor Marcos Portugal, o compositor português mais famoso de sempre, diz-se (e de que já tínhamos falado neste nosso espaço :-)). Excelente primeira edição!

Recomenda-se (muito fortemente) o programa - é óbvio !

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Bachianas Brasileiras de Heitor Villa Lobos

Hoje voltaremos a um compositor do outro lado do Atlântico, Heitor Villa Lobos um daqueles génios que infelizmente são ignorados ou pelo menos remetidos a uma subalternização injusta sobretudo tendo em consideração o que representaram (e representam) na história da música.


São 9 obras que incluem vários andamentos compostas entre 1930 e 1945 (um período de tempo bastante longo portanto) e que têm como característica comum procurar juntar a música de Bach à música brasileira. Ou melhor dizendo na base da música popular brasileira utilizar técnicas de composição típicas do Barroco como por exemplo o contraponto.


Cada andamento de cada Bachiana tem por essa razão um nome que remete para o período barroco e um outro que tem uma designação brasileira. Cada uma das Baachianas foi escrita para agrupamentos muito diferentes pelo que dificilmente poderão ser interpretadas todas em sequência, nem tão pouco era esse o objectivo.

Quem não tem muito tempo avance directamente para a nº 5 (a cantilena) que é sem dúvida a mais conhecida do compositor - mas atenção com a promessa que vai ouvir o resto que é absolutamente fantástico, em particular a Bachiana nº 8 mas na verdade todas valem a pena ser ouvidas com atenção.


Bachiana Brasileira nº 1 (1930) : Composta para Orquestra de Violoncelos


Introdução (Embolada)
Prelúdio (Modinha)
Fuga (Conversa)


Bachiana Brasileira nº 2 (1930) : Composta para Orquestra de Cordas


Preludio (O canto do capadocio) 
Aria (O canto da nossa terra) 
Dansa (Lembrança do sertão)  (neste caso a podem ouvir a transcrição para piano do próprio Villa Lobos)
Toccata (O trenzinho)


Bachiana Brasileira No. 3 (1938) : Composta originalmente para Piano e Orquestra.


Preludio (Ponteio)
Fantasia (Devaneio) (Digression) 
Aria (Modinha) 
Toccata (Pica-pau) 


Bachiana Brasileiras No. 4 (1930-41) : Composta originalmente para Piano e orquestrada em 1942.


Preludio (Introdução) - Dedicado a Tomas Terán, grande pianista colaborador e amigo do compositor.
Coral (Canto do sertão)
Aria (Cantiga)
Danza (Mindinho)


Bachiana Brasileira  No. 5 (1938-1945)  : Composta para Soprano e Orquestra de Violoncelos


Aria (Cantilena) - Letra de  Ruth Corrêa. Esta obra foi mais tarde adaptada para Soprano Solo com Gitarra pelo próprio Villa Lobos. É possivelmente uma das obras mais conhecidas e interpretadas do compositor.
Dansa (Martelo) - Letra de Manuel Bandeira.


Bachiana Brasileira No. 6 (1938) : Composta para Flauta e Fagote


Aria (Choros) 
Fantasia


Bachiana Brasileira No. 7 (1942) : Composta para Orquestra Sinfónica. Dedicada a Gustavo Capanema.


Preludio (Ponteio) 
Giga (Quadrilha caipira) 
Tocata (Desafio) 
Fuga (Conversa) 


Bachiana Brasileira No. 8 (1944) :  Composta para Orquestra Sinfónica.  Dedicada a Mindinha.


Preludio 
Aria (Modinha) 
Tocata (Catira batida) 
Fuga


Bachiana Brasileira No. 9 (1945) : Composta para coro e Orquestra de Cordas.


Préludio
Fuga



O Dia da Liberdade

Diz o nosso Primeiro que este dia não é do Governo, diz o nosso Primeiro que este dia é do Povo. E tem toda a razão: É mesmo nosso !

Neste blog já se festejou este dia em 2011 apelando à participação cívica, em 2010 com a Festa da Música no CCB que coincidiu com este dia 25, em 2009 com um exercício de memória e em 2008 foi festejado com Beatles (If you Want to Start a Revolution) e com uma cronologia exacta dos principais eventos ...

É precisamente por ser nosso que temos também o direito de achar que o estão a roubar - tenhamos ou não razão isso é questão de debate -  mas direito de achar que nos estão aos poucos a levar para um outro caminho isso temos. Essa é a essência da liberdade. Não se pode caro Primeiro reconhecer o direito de propriedade para logo a seguir desconfiar da expressão da mesma seja ela por qual cidadão for, seja de que maneira for, desde que com correcção e com respeito pelo próximo. Não vale é caro Primeiro fazer juízos de intenção ou de valor. Não se esqueça que acima de qualquer dever de representação está o dever da consciência.

Mas porque é de música que vamos falar este ano neste contexto decidi celebrar convosco com o protocolo que tenho com o meu filho há mais de 10 anos: Ver o filme Capitães de Abril. Convido-vos a procurarem uma forma de conseguirem fazê-lo (uma sugestão possível logo aqui no parágrafo seguinte)

Se não conseguirem este post destina-se também a uma outra homenagem. Á extraordinária banda sonora do filme tantas vezes esquecida autoria do Maestro Antonio Vitorino d´Almeida. Se não conseguirem encontrar forma de ver o filme (no YouTube podem encontrar aqui o filme completo) então proponho-vos a melhor coisa a seguir uma fabulosa canção dessa banda sonora, As Brumas do Futuro. Música de António Vitorino d´Almeida, letra de Pedro Ayres de Magalhães interpretada por Teresa Salgueiro e os Madredeus.



25 de Abril, Sempre !

terça-feira, 24 de abril de 2012

Harutiun Dellalian (1937 -1990)

Bom em dia de homenagem depois do livro um post no Facebook chamou-me a atenção para este compositor Arménio que não conhecia confesso.

Neste dia que sei ser especial para a Arménia e para todos os Arménios já que representa o inicio do primeiro grande genocídio dos tempos modernos levado a cabo pelo Império Otomano a partir de 1915 aqui fica em música a minha homenagem a esse povo.




A titulo pessoal posso dizer-vos que desde a minha adolescência o esquecimento a que este evento da história moderna é votado não cessa de me surpreender. Estamos a falar de um genocídio planeado e executado friamente com mais de um milhão de mortos.

Conheci o drama - admito sem perceber muito bem de que se tratava - ao ouvir com a minha mãe uma canção de Aznavour mas ficou-me na memória (e com muitas perguntas à minha mãe também). Desculpem-me mas não resisto a partilhar e a convidar-vos a estudarem um pouco mais ... Azanavour - Ils sont Tombés

Quanto ao compositor arménio Harutiun Dellalian embora a sua obra seja pouco abundante e muitas obras não estejam completas o que existe não deixa dúvidas sobre o seu talento. Mas mais do que tudo o que possa dizer deixo-vos com um filme que é uma excelente biografia deste compositor. São 45 minutos que valem a pena, garanto-vos uma excelente história.

No Dia Mundial do Livro uma Homenagem ... Aos "libretistas"

Um dos elementos mais importantes de várias formas de música é o autor que se encarrega de adaptar ou escrever de raiz o texto que servirá de base a uma composição musical. No outro dia falávamos de Richard Strauss que se queixava de não conseguir encontrar um bom libretista. Não foi certamente o único na história da música que se queixou desse problema.

Em boa verdade também é justo dizer que bem o criaram (o problema) ao subalternizar quem assegura a qualidade literária do texto em que se baseiam.


Há demasiados libretos de qualidade para escolher simplesmente um que os represente porém como prometi não haver post sem música decidi mostrar-vos um de um autor que conseguiu atingir notoriedade e assegurar pelo menos uma posição de igualdade.

Fiquem portanto com Oedipus Rex uma Ópera de Igor Stravinsky com libretto de Jean Cocteau (a propósito um dos grandes defensores de Erik Satie que tem estado muito em foco neste blog ultimamente) baseado no drama com o mesmo nome escrito por Sophocles. Muito apropriadamente esta obra marca também o inicio do período neo-clássico de Stravinsky.



segunda-feira, 23 de abril de 2012

Erik Satie - Vexations e as eleições em França

Erik Satie foi um músico muito difícil de definir. Se tivéssemos de escolher uma única palavra para o definir escolheríamos revolução. E em homenagem à França, em homenagem às promessas que alguns reputam de impossíveis ou irrealizáveis deitando por terra 80 anos de evolução ao abrigo de um liberalismo de que por vezes não entendem totalmente as consequências, em homenagem a Satie habitante sempre de uma "banlieue" pobre de Paris, em homenagem ao revolucionário membro do Partido Socialista Radical e sobretudo em homenagem a quem em 1903 sem ter praticamente nada empregava uma boa parte do seu tempo no auxilio dos menos afortunados do que ele, em homenagem a tudo isso deixo-vos:

Vexations de Erik Satie

Com algumas pequenas explicações:
1) Não sou (infelizmente?) revolucionário como Satie mas não posso deixar de protestar publicamente contra a destruição de um estado social só porque dá jeito a quem já não sabe muito bem como resolver um problema que criaram, não com o estado social mas com a destruição de alguns valores que precisamente o suportam (o estado social).
2) A homenagem com esta obra que consiste em 180 notas repetidas 840 vezes é uma dupla metáfora para que fique claro a minha intenção. Em primeiro lugar esta obra faz a o papel daquilo que nos dizem nos jornais como se pela repetição infindável se tornasse mais verdade. Um pouco como Blaise Pascal defendia para a fé mas também nesse particular como aqui é uma má solução. A repetição é apenas isso mesmo repetição. Torna as coisas familiares aos nossos ouvidos, é um óptimo happening mas não se torna verdade. Espero que tenhamos a sensatez para ouvir para além dos soundbytes com que nos bombardeiam diariamente.
3) Mas dizia é uma dupla metáfora porque sendo das obras mais longas que conheço (a execução total das 840 repetições pode durar de 16 a mais de 24 horas) essa duração é a melhor expressão relativa da nossa capacidade de memória e de nos relembrarmos ou estudarmos como era a sociedade antes desse "horrível" edifício que é o estado social. Porque não tenhamos dúvidas que é para aí que se caminha se persistirmos ...

domingo, 22 de abril de 2012

Gnossiennes de Erik Satie

Continuando a mostrar-vos o conjunto de 100 obras que escolhemos para quem quer conhecer e começar a gostar de música clássica (são um pouco mais de 100, fizemos alguma batota :-)) hoje proponho-vos, na sequência do post de ontem, as Gnossiennes também de Erik Satie.

Dizer que Erik Satie era excêntrico peca talvez por ser um eufemismo. Satie sempre viveu nos extremos de forma pouco convencional. Na verdade sempre foi um revolucionário em todas as dimensões em que procurarmos.Na música foi certamente onde esta forma de estar produziu os seus frutos mais perenes.

As Gnossienes foram compostas cerca de dois anos após as Gymnopédies sendo publicadas pela primeira vez num jornal "Figaro Musical" - as três primeiras Gnossienes isto é - dado que as ultimas três apenas foram publicadas em 1968 sendo discutível que Satie sequer as tivesse considerado como fazendo parte deste conjunto.

O nome deste conjunto de peças é também ele sujeito a várias interpretações. Há quem pense que deve ser entendido como uma derivação de uma palavra Grega que remeteria assim para a mitologia Grega do Minotauro explicação que dada a ligação de Satie ao surrealismo poderia fazer algum sentido. Há também quem defenda que ao contrário que este nome se deveu às ligações de Satie à religião Gnostica (Satie chegou a fundar uma "Igreja" de que era o único fiel - ao mesmo tempo uma contradição e uma afirmação desse carácter Gnóstico paradoxo tão fiel ao seu humor e ao gosto pelos paradoxos também eles característicos dos surrealistas franceses da época.

Pessoalmente penso que Saite inventou a palavra sem pensar muito em outra referência que não fosse tratar-se de um conceito totalmente novo. Na verdade na altura escrever música sem barras de compasso e sem uma verdadeira indicação de tempo, a não ser indicações "poéticas" que muitos pensam ser gozo aos impressionistas (em particular Debussy) - "avec étonnement" diríamos poder ser assim ou talvez não.

Embora sejam cronologicamente posteriores às Gymnopédies (1888) alguns musicólogos pensam que na verdade estas obras estão mais directamente ligadas às Trois Sarabandes de 1887.

Optamos por vos mostrar as 7 composições hoje em dia classificadas e interpretadas segundo esta classificação embora como vos referi apenas as três primeiras tenham sido efectivamente publicadas por Satie segundo esta designação.

Gnossiene nº1
Gnossiene nº2 - Avec étonnement
Gnossiene nº3 - Lent

Gnossiene nº4 - Lent
Gnossiene nº 5 - Moderé
Gnossiene nº 6 - Avec conviction et avec une tristesse rigoureuse
Gnossiene nº 7 - Allez. Calme.

sábado, 21 de abril de 2012

Gymnopédies de Erik Satie

Injustamente proclama-se que começou aqui a música de elevador. Injusto porque embora seja verdade que Satie compôs obras que ele considerava como "musica de ambiente" estas peças não faziam parte desse conjunto.

Injusto numa dimensão oposta para outros compositores que já antes haviam composto obras para funcionarem com música ambiental (uma delas aliás está na nossa Lista das 100 obras de Música Clássica - Taffelmusik de Telemann).

Compostas e editadas em 1888 - a primeira e a terceira já que aparentemente a terceira apenas foi editada cerca de sete anos mais tarde - estas obras não tendo para mim a dimensão emocional das Gnossiennes de que falaremos de seguida não deixam de ser obras notáveis e muito mais do que simples música ambiente sem desprimor para esta ultima porque em doses reduzidas também há espaço para ela no Mundo ...

Estas obras foram orquestradas por Debussy quase imediatamente de forma que é possível que conheçam também a versão orquestral (a primeira e terceira já que Debussy considerava a segunda inadequada para esse fim).

Quanto ao nome destas peças embora se tenham tentado encontrar várias explicações o mais provável é Satie ter escolhido o nome apenas pelo seu toque de exotismo. Na altura da edição as partituras incluíam um poema do seu amigo, companheiro e poeta Contamine de Latour em que este termo é utilizado. Porém não é claro se o poema precedeu a composição ou vice-versa.


Tendo em conta o carácter de Satie e o seu gosto pela sonoridade das palavras inclinamo-nos para uma explicação simplesmente "fonética". Estas peças pela simplicidade que demonstram foram na verdade uma verdadeira revolução na escrita para piano solo. As Gnossiennes de que falaremos de seguida exploram e expandem estas ideias.

Gymnopédie nº 1 - Interpretação de Aldo Ciccolini
Gymnopédie nº2 - Interpretação de Maria Aloupi
Gymnopédie nº 3 - Interpretação de Aldo Ciccolini

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Richard Strauss escreve a Hitler

Naquele dia 13 de Julho de 1935 conta-nos a Diapason Richard Strauss escreve a Hitler assegurando o ignóbil ditador da sua "profunda veneração".  Tinha acabado de ser despedido do cargo de Director Artístico da Música de Câmara do Reich e nessa carta ajoelhava-se e apelava ao sentido de justiça do ditador.



É verdade que a razão do despedimento esteve directamente ligada à exigência de manter no programa da sua ópera o nome do libretista (judeu) Stefan Weig. É esta atitude dual que é tão difícil de entender em Strauss. Por um lado tem a coragem de resistir e não ceder mas por outro reconhece a autoridade do ditador mesmo quando os seus "pedidos" são inaceitáveis.

Será difícil de entender mas devemos compreender que Richard Strauss na verdade tinha um ego do tamanho do mundo. Não acreditava estar em perigo e pensava genuinamente que salvaria a música alemã. Não dos "perigos" do judaísmo mas eventualmente de si própria. O choque do despedimento é mais a incredulidade perante aquilo que pensava ser impossível do que qualquer outra coisa.

Strauss sempre teve uma atitude ambígua, bivalente porque aceitava mas também criticava e defendia na prática quem era injustamente oprimido ou pior. Terá assim salvo muitos músicos ...

Goebels que interceptou uma carta de Richard Strauss para Stefan Weig achava o músico perigoso. acreditamos que não forçosamente pelas suas ideias resolutas mas mais pelo facto de nada recear. Essa independência que provinha do seu enorme ego era perigosa. Mais perigosa do que uma qualquer militância. E essa carta em que Richard Wagner perguntava se alguém achava que Mozart escreveu conscientemente enquanto "ariano" foi sabiamente utilizada para o afastar.

Richard Strauss não foi corajoso porque a coragem pressupõe a noção do perigo e Strauss julgava estar acima dele, mas é verdade que com família judia tinha muito em risco e por isso talvez não seja justo vê-lo desta forma. Facto é que nunca foi na verdade nazi e que salvou muitos seres humanos de uma morte trágica. Coragem e resolução? Talvez não, essa estava guardada para a sua música.

Um ano mais tarde em 1936 comporia e dirigiria o seu Hino Olímpico que em parte vos mostramos neste vídeo.

Hino Olímpico em Berlim dirigido por Richard Strauss.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Dia Mundial da Voz : The Day After

Ontem (quero dizer segunda-feira para os que me lêem no dia correcto isto é na Terça) foi o Dia Mundial da Voz. Não sou grande fã dos dias mundiais a não ser pelo pretexto que nos dão de falar de coisas que doutra forma nos esquecemos ou fazemos por esquecer. E no que diz respeito à voz nada mais apropriado do que falar; a homenagem fica feita quase só por aí, por aquilo que cada um de nós faz com esse instrumento maravilhoso capaz de transmitir tantas emoções.



Não só pelo que a voz diz pelas palavras mas também pelo que transmite pelo seu tom por aquela qualidade de carinho como reconhecemos na bem-amada ou naquela voz de comando que aceitamos de um líder natural, como se o timbre desmaterializasse as palavras. Como na voz das grandes cantoras e cantores que transformam canções banais em momentos inesquecíveis.

Hoje apetece-me voltar a falar neste blog de algumas dessas vozes, no feminino desta vez, apenas no feminino sem qualquer outra razão que não seja a saudade e talvez o facto de todas elas estarem numa determinada lista.

Sem qualquer ordem especial começamos por Ella continuamos para Elis para terminar na Callas, conseguem imaginar uma melhor trilogia para o Day After? As canções? Bem são daquelas que precisamente poderiam ser banais não fossem cantadas por quem são ...

Over the Rainbow por Ella Fitzgerald

When all the world is a hopeless jumble
 And the raindrops tumble all around 
Heaven opens a magic lane


E não é que o céu abre mesmo um caminho mágico através dos nossos ouvidos até à nossa alma?




Cais por Elis Regina


Para quem quer se soltar
invento o cais 
Invento mais que a solidão me dá 
Invento lua nova a clarear 
Invento o amor 
e sei a dor de me lançar 
Eu queria ser feliz 
Invento o mar 
Invento em mim o sonhador 
Para quem quer me seguir 
eu quero mais 
Tenho o caminho do que sempre quis 
E um saveiro pronto pra partir 
Invento o cais 
E sei a vez de me lançar


E como não nos encontrarmos, (re)encontrarmo-nos nesta canção?




Um bel di, vedremo pela Callas

E ninguém exprime melhor a dor da partida e nem sequer são necessárias palavras, mesmo não entendendo uma única palavra perceberíamos. A Voz é assim, a música é assim ...

domingo, 15 de abril de 2012

Maurice André (1923-2012)

Os instrumentos de sopro e as obras que lhe são destinadas têm sido um pouco sub-representadas neste blog. Os seus interpretes de excelência também pese embora a nossa biografia de Jean Pierre Rampal ou James Galway ou ainda a eleição do nosso Concerto para instrumentos de Sopro.

A Diapason deste mês felizmente ao recordar-me Maurice André vai permitir equilibrar um pouco a situação.

Maurice André nasceu em Alés a 21 de Maio de 1923 numa modesta família de mineiros. O seu pai no entanto sendo trompetista nas horas vagas cedo iniciou o jovem no instrumento sendo que o seu talento não deixou de se mostrar desde a mais tenra idade. Isso não evitou que quase falecesse num acidente nas minas onde teve de trabalhar desde os 14 anos até aos 18 anos.

O seu primeiro contrato profissional enquanto músico é num regimento de comunicações isto ainda antes de se inscrever no Conservatório de Paris onde é aluno de Raymond Sabarich. Rapidamente consegue estabelecer-se como um grande instrumentista sendo contratado pelas Orquestras Lamoureux, ORTF entre outras. Mas porque é preciso ganhar a vida (e também porque gosta de vários tipos musicais) não deixa de tocar com Trenet numa incursão na música popular que repetirá várias vezes ao longo da sua vida como inclusivamente toca em circos (sucedendo nesse particular ao seu professor).

A partir de 1955 com o Grande Prémio no Concurso de Geneve começa a estabelecer a sua carreira internacional enquanto concertista que viria a consolidar definitivamente com o prémio no concurso de Munique em 1963. Interpreta praticamente todas as obras do reportório sendo o responsável por restabelecer o instrumento enquanto instrumento para solista, tradição que se tinha perdido praticamente desde o século XVIII.

Faz-nos redescobrir uma grande parte do reportório barroco sendo que nesse particular há algumas obras como por exemplo o 2º Concerto de Brandenburgo (Bach) que se tornam quase "icons" do grande mestre (outros exemplos Telemann - Sonata em Ré  ou o Concerto para Trompete e Cordas de Vivaldi).

A sua influência é de tal forma marcante que provoca literalmente a produção de uma quantidade apreciável de obras para os vários instrumentos de sopro que utilizava com maestria. Trabalhador incansável gravou com todos os grandes maestros do século XX numa discografia tão extensa que não é fácil encontrar discos que se possam destacar até porque abordava todos os seus compromissos com a mesma seriedade.

Talvez possamos recomendar o conjunto de 6 discos editados pela EMI que para além de todos os standards do barroco contém também algumas das transcrições que Maurice André gostava de interpretar como por exemplo Avé Maria ou Uma Lágrima Furtiva (da opera Elixir de Amor de Donizetti) assim como as suas incursões na música popular (La Vie em Rose  ou Les Feuilles Mortes). Embora o disco esteja esgotado podem adquirir as músicas individualmente na Amazon em formato digital.



Maurice André guardou dos seus tempos de infância o valor do trabalho e da solidariedade. Guardou também a abertura de espírito que lhe fazia adorar outros tipos de música das quais a incursão pelo Jazz ficou para ultimo porque o extracto que vos mostro Manhã de Carnaval com Dizzy Gillespie demonstra uma das outras grandes características de Maurice André. O seu enorme sentido de humor e de humanidade.

Professor no Conservatório de Paris formou literalmente centenas de instrumentistas entre os quais Guy Touvron ele também concertista de renome internacional e autor da biografia de Maurice André intitulada "Une Trompette pour la renommée"



Desde 1990 retirado no País Basco francês (perto do porto de Bayonne) Maurice André deu o seu ultimo concerto em 9 de Outubro de 2008 na catedral de Beziers. Faleceu no passado dia 25 de Fevereiro de 2012.




sábado, 14 de abril de 2012

Arturo Michelangeli - O Eterno Poeta do Piano e Scarlatti

Quando há uns dias publiquei este post sobre algumas das peças de Scarlatti estava longe de imaginar que a edição deste mês da Diapason me iria proporcionar uma interpretação de algumas das obras desse compositor pelo eterno poeta do Piano Arturo Michelangeli; uma das figuras mais enigmáticas da música do século XX.

Concertos raríssimos, gravações também não muito frequentes, um perfeccionista tão absoluto como Glenn Gould ou Richter com a diferença destes últimos que se o primeiro preferia as gravações aos concertos e o segundo os concertos às gravações Michelangeli tinha uma relação com o publico ainda mais difícil não gostando nem de uma forma nem de outra de exposição.

É famosa a frequência com que cancelava os seus concertos ao ponto de alguém ter um dia publicado num jornal especializado um anúncio dizendo: "Michelangeli e Horowitz disponíveis para um número ilimitado de cancelamentos". É famosa também a sua relação tempestuosa com os seus instrumentos - por vezes revestida de caracter rocambolesco como a apreensão dos mesmo por um cancelamento ou dividas de uma sua sociedade ou ainda o seu "afogamento" numa cave algures em Lyon entretanto inundada. As suas visitas à sede da Steinway em Berlim eram temidas pelos engenheiros pela sua capacidade em facilmente notar a menor falha na concepção dos instrumentos.

Todas estas histórias não eram mais do que o espelho de um maníaco da perfeição e contribuíram largamente para a construção de uma imagem mítica que ainda hoje perdura.

Mas dizia que no Disco deste mês a Diapason presenteia-nos com Chopin, Liszt, Bach, Albenitz e Scarlatti interpretados pelo grande pianista. Uma lista curiosa dado que Chopin foi um compositor que nem sempre foi interpretado por Michelangeli e de Bach escolheu-se uma transcrição da Chaconne. Essa escolha é aliás excelente dado que Michelangeli gostava de piano mas foi também um especialista em trazer para este instrumento algumas peças escritas originalmente para outros instrumentos. Esta Chaconne assim interpretada fica algo de notável (na transcrição de Busoni).

Quanto a Scarlatti podemos ouvir neste disco as obras K9, K11, K27 e K322.

Deixo-vos com a K27 em Si Menor ficando desde já prometida para breve uma incursão em Debussy o compositor preferido do pianista.


sexta-feira, 13 de abril de 2012

Concerto e Passatempo

No próximo Sábado às 18:30 irei assistir a este concerto no São Luís. Como este blog praticamente nunca realizou qualquer passatempo e como parece que isso é uma espécie de prova de maioridade nesta blogosfera em que mesmo a interactividade se rende ao materialismo das prendas (digo isto meio a sério meio a brincar até porque sei que os fieis leitores deste blog não são assim :-)) subjugamos-nos hoje a esse rito iniciático e materialista e vamos oferecer dois bilhetes ao melhor comentário a este post. As submissões poderão ser feitas até à meia-noite de Sexta-Feira. Os resultados serão dados na manhã de Sábado. Os bilhetes serão entregues ao vencedor às 18h à frente do São Luís (protocolo a acordar com o vencedor).

O tema dos comentários é livre mas serão preferidos aqueles que façam referência ao programa do concerto ou aos seus interpretes. Para vos facilitar a vida (não deveria mas não resisto) posso dizer-vos que o programa inclui o 2º Concerto para Violoncelo de Haydn (Solista Paulo Gaia Lima) e ainda os Divertimentos de Mozart. Desvaloriza-se a lisonja ao autor do blog mas aprecia-se o enaltecer dos artistas e compositores ou das suas obras. Admite-se o humor e a critica da actualidade desde que relacionada com o tema que nos faz escrever por aqui.

Não se admirem se o comentário não aparecer de imediato (são moderados) . Todos os comentários que forem submetidos até às 24h de Sexta serão devidamente considerados.

E pronto agora dêem largas à imaginação e para isso obviamente nada melhor que um pouco de música! Para catalisar a vossa inspiração escolhi Jacqueline du Pré precisamente no primeiro andamento do referido concerto para Violoncelo.


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Das Liede von der Erde - Mahler

Há determinados eventos na vida - verdadeiros acasos - que quase parecem mensagens do destino. Ontem ao ver a lista das 100 Obras por várias vezes olhei para a linha que dizia: Mahler - Das Liede von der Erde e pensei que dificilmente conseguiria uma obra mais adequada para este período Pascoal.

Hoje recebi da Filarmónica de Berlim o anuncio que uma versão desta obra adaptada para Orquestra de Câmara, mais intimista estava disponível no arquivo e podia ser ouvida pelo valor já acostumado de €10. A Orquestra é a da Academia da Filarmónica de Berlim criada por Karajan e que permite a jovens profissionais aprenderem e tocarem sobre a direcção dos melhores, neste caso a direcção é de Simon Rattle. Os solistas são Magdalena Kozena (Mezzo-Soprano) e Andrew Staples (Tenor).

Claro que assim era impossível resistir à tentação de ouvir esta interpretação e também de vos falar desta obra magnifica. Posso dizer-vos que enquanto escrevo estas poucas linhas estou precisamente a ouvir essa versão - um arranjo de Glenn Cortese.

A obra está dividida em 6 andamentos ou canções. Na verdade esta obra inaugura um novo estilo a fusão entre o ciclo de canções e a Sinfonia. Cronologicamente esta seria a nona Sinfonia de Mahler porém Mahler com receio da "maldição da nona" prefere não a numerar dessa forma tanto mais que do ponto de vista pessoal esta obra segue um período particularmente nefasto na vida do compositor que tinha acabado de perder uma filha e tido conhecimento de uma condição cardíaca congénita.

Nesse ano de 1907 Mahler lê o livro "A Flauta Chinesa" uma recolha de poesia chinesa traduzida para alemão por Hans Bethge e considera ter encontrado nessa obra o eco da sua mortalidade e do seu desajustamento com o universo, como se não pertencesse nem à Austria, nem à Alemanha, como se não fosse nem cristão nem judeu, nem maestro nem compositor, sempre rejeitado por todos os campos por não ser nem de um nem dos outros.

Mahler considerava esta obra como a mais pessoal de todas as que já tinha escrito até então. Tinha fortes dúvidas quanto à sua execução em público dado que a considerava talvez demasiado depressiva (o que para os padrões de Mahler era um feito). O compositor confessou estas dúvidas ao seu amigo Bruno Walter tendo nomeadamente perguntado-lhe como dirigiria o dificílimo ultimo andamento, dizendo em tom de anedota: "Tens de me dizer porque eu não sei ..."  Na verdade a obra nunca foi interpretada em vida de Mahler tendo sido precisamente estreada por Bruno Walter em Munique em 1911. Aliás Bruno Walter está fortemente ligado a esta obra (para além da relação de amizade que tinha com o compositor) dado que também dirigiu a primeira gravação da mesma de 1936 com a Filarmónica de Viena numa Áustria prestes a ser engolida pelo Anchluss (gravação efectuada por altura da comemoração do 25º aniversário do falecimento do compositor). Penso que dizer "pessoal" era dizer pouco ...


As interpretações que utilizamos para ilustrar esta pungente obra não são da gravação de 1936 mas também são igualmente históricas não só porque mantêm a direcção de Bruno Walter mas também porque se tratam de gravações de 1952 também com a Filarmónica de Viena e com Kathleen Ferrier na altura fatalmente doente e que por essa razão empresta a toda a obra em especial ao ultimo andamento uma característica pessoal tão própria da obra.

O Primeiro Andamento - Das Trinklied vom Jammer der Erde - (A canção para beber à miséria da Terra). O poema é de Li Bai um poeta da dinastia Tang (que é alias o autor dos poemas de três outros andamentos) como veremos. Uma canção sobre a eliminação das dúvidas e do medo pelo alcool, nem que seja de forma temporária, facto claramente marcado pela consecutiva volta ao refrão:  Negra é a Vida, é morte

O Segundo Andamento - Der Einsame in Herbst -  (O solitário no Outono) é baseado no poema de Tchang-Tsi falando-nos na constante degradação da condição humana durante a vida.

[...]
O meu coração está cansado
e chegado a este belo local de descanso
Pois necessito repouso: Choro muito na minha solidão
O Outono dura há tempo demais no meu coração
Filho do amor, Nunca brilharás e secarás as minhas lágrimas amargas?
[...]

Das Liede von der Erde (Segundo Movimento) - Bruno Walter, Kathleen Ferrier (1952) 

O Terceiro Andamento Von der Jugend ("da Juventude") é claramente falsamente chinês (ou seja pretende imitar a forma da música chinesa mas fá-lo voluntariamente num esquema ocidentalizado. Do poeta Li-Tai-Po quase que podemos imaginar a China ocidentalizada ...

Das Liede von der Erde (Terceiro Movimento) - Bruno Walter - Patzak (1952)

O quarto andamento Von der Schönheit ("da Beleza)

Das Liede von der Erde (Quarto Movimento) - Bruno Walter - Kathleen Ferrier (1952)

O quinto andamento Der Trukene im Frühling ("O bebado na Primavera)

Das Liede von der Erde (Quinto Movimento) - Bruno Walter - Patzak

O ultimo andamento Der Abschied (A despedida) dos poetas Mong-Koo-Yen and Wang-Wei é o mais longo dos seis e tem uma duração de 30 minutos aproximadamente (quase metade da obra). Na verdade este poema é uma longa despedida terminando com um diminuendo que se volatilisa na atmosfera com o solista repetindo "para sempre", "para sempre", "para sempre" ...

[...]
Não mais procurarei o horizonte longínquo
Meu coração está parado e aguarda a sua hora,
A bela Terra renasce e renova-se.
Em todos os lugares e para sempre o azul acende o horizonte
Para sempre, para sempre, para sempre, para sempre ...
[...]

Das Lied von der Erde (Sexto Movimento) - Bruno Walter, Kathleen Ferrier (1952) Primeira Parte
Das Lied von der Erde (Sexto Movimento) - Bruno Walter, Kathleen Ferrier (1952) Segunda Parte

quarta-feira, 4 de abril de 2012

As 100 músicas clássicas para começar

Nos últimos tempos temos completado esta lista quer através de novos posts como foi o caso de Couperin e Mahler por exemplo quer através da indexação de outros mais antigos como Schumann. Ainda não está completa porém estamos bem mais perto do fim ... Obviamente são bem vindos comentários, criticas ou sugestões!

terça-feira, 3 de abril de 2012

Les Vingt Sept Ordres - Couperin

Uma "ordre" não é mais do que a concepção de Couperin de uma Suite. Um conjunto de peças que é concebida para ser tocada em sequência e com uma lógica de progressão de tonalidade e musical. O período barroco francês tantas vezes ignorado tem nesta obra - adorada de Bach - um dos seus expoentes máximo

As vinte sete obras estão divididas em quatro livros sendo constituídas por mais de 200 pequenas peças individuais (cada "ordre" é constituída por um número variável de partes podendo chegar às 18 como na primeira Ordre que utilizamos como exemplo).

Uma ordre começa sempre na mesma tonalidade em que acaba tendo pelo meio peças que se relacionam com essa mesma tonalidade criando um forte sentimento de unidade sem nunca caír na monotonia o que é conseguido pela estilização de várias danças. A titulo de exemplo vejamos a primeira dessas Ordres em Sol Menor.

Ordre 1er de clavecin in G minor (Primeira Suite para Cravo em Sol Menor)

  1. Allemande L'Auguste;
  2. Première courante; 
  3. Seconde courante; 
  4. Sarabande La majestueuse; 
  5. Gavotte; 
  6. La Milordine, gigue; 
  7. Menuet (et double); 
  8. Les silvains; 
  9. Les abeilles; 
  10. La Nanète; 
  11. Les sentimens, sarabande; 
  12. La pastorelle; 
  13. Les nonètes (Les blondes, Les brunes); 
  14. La bourbonnoise, gavotte; 
  15. La Manon; L'enchanteresse; 
  16. La fleurie, ou La tendre Nanette; 
  17. Les plaisirs de St Germain en Laÿe allemande,
  18. II prelude,

Conforme poderão constatar temos algumas danças que já conhecemos (várias courantes, sarabandes e Allemandes) juntamente com algumas outras peças mais descritivas. Esta associação forma um todo coerente sendo para a época bastante inovador. Aliás Couperin com o seu tratado para o ensino do cravo demonstrou toda a sua genialidade.

A titulo de exemplo eis um video com uma interpretação de uma das partes de uma "Ordre" por Luc beauséjour.



Cada "Ordre" tem cerca de meia hora de duração pelo que se quiser ouvir todos recomenda-se um feriado ou um fim-de-semana bem chuvoso, uma lareira, uma boa companhia e um local confortável ...

Para os verdadeiramente persistentes aqui fica a lista das Vinte Sete Ordens (nem sempre com a totalidade da obra mas no conjunto diria que estão aqui umas largas horas de audição ...)

Livro 1 (Suite 1 a 6) - 1713
Primeira Suite para Cravo em Sol Menor
Segunda suite para Cravo em Ré Maior
Terceira Suite para Cravo em Dó Maior
Quarta Suite para Cravo em Fá Maior
Quinta suite para Cravo em Lá Maior
Livro 2 (suites 6 a 12) - 1717
Décima Primeira Suite para Cravo em Dó Maior
Décima Segunda Suite para Cravo em Mi Maior
Livro 3 (Suites 13 a 19) - 1722
Décima Sexta Suite para Cravo em Sol Maior
Décima Oitava Suite para Cravo em Fá Maior
Livro 4 (Suites 20 a 27) - 1730
Vigésima Quinta Suite para Cravo em Mi Bemol Maior
Vigésima Sexta Suite para Cravo em Fá Sustenido Menor
Vigésima Sétima Suite para Cravo em Si Menor





segunda-feira, 2 de abril de 2012

Não é verdade mas é pena

Este post era obviamente uma mentira do primeiro de Abril. Mas é pena, e por acaso a única parte que é ficção é que se tenha encontrado vida extraterrestre inteligente. Porque o resto, a prova de inteligência e o convite para a programação de uma qualquer rádio eram mesmo a sério ... ET come home ...

Dichterliebe - Ciclo de Canções de Schumann

Em 2009 publicamos um conjunto de posts sobre este ciclo de canções que forma com Winterreise e Die Schone Mullerin (estas de Schubert) o coração do Lied Alemão. Cada uma das canções é apresentada com o poema em alemão e a sua tradução em português.

Publicamos agora um índice para que possam ler (e ouvir) de forma mais fácil toda a sequência:

1.  Im Wunderschonen Monat Mai (No belíssimo mês de Maio)
2.  Aus meinen Tränen sprießen (Das minhas lágrimas brotam flores
3.  Die Rose, die Lilie, die Taube, die Sonne (A Rosa, o lirío, a Pomba e o Sol)
4.  Wenn ich in deine Augen seh (Quando olho nos teus olhos)
5.  Ich will meine Seele tauchen (Quero mergulhar a minha alma - no cálice do lírio)
6.  Im Rhein, im heiligen Strome (No Reno, no Rio sagrado)
7.  Ich Grolle Nicht (Não guardo rancor)
8.  Und wüßten's die Blumen, die kleinen (E se o soubessem os botões das flores, os pequeninos)
9.  Das ist ein Flöten und Geigen (Há sons de Violino e de Flauta
10. Hör' ich das Liedchen klingen (Quando oiço a canção)
11. Ein Jüngling liebt ein Mädchen (Um Jovem ama uma Rapariga)
12. Am leuchtenden Sommermorgen (Numa radiosa manhã de Verão)
13. Ich hab' im Traum geweinet (Chorei nos meus Sonhos)(
14. Allnächtlich im Traume seh' ich dich (Vejo-te todas as noites nos meus sonhos)
15. Aus alten Märchen winkt es (Antigos Contos de Fadas)(
16. Die alten, bösen Lieder (As velhas canções zangadas)


domingo, 1 de abril de 2012

Berlioz - Sinfonia Fantástica : Índice de Posts

Este post limita-se a listar os cinco posts que fiz sobre esta sinfonia de Berlioz para que os possam ler facilmente de forma sequencial. Se não os leram na altura (são posts de 2008, será então uma boa ocasião) - afinal de contas é o inicio da concepção de "Idée Fixe" ou Obsessão - musical claro ...

Berlioz - Episódios da Vida de um Artista - Sinfonia em Cinco Partes

1ª Parte : Sonhos-Paixões
2ª Parte : Baile
3ª Parte : No Campo
4ª Parte : Marcha para o Cadafalso
5ª Parte : Sonho de uma noite de Sabbat

Ultima Hora: Vida inteligente fora da Terra!

Como sabem os leitores mais atentos as Sondas Voyager I e Voyager II incluiam várias obras musicais num famoso Disco Dourado juntamente com instruções detalhadas de como as descodificar. Pois bem o que se passa é que na madrugada de ontem astrónomos do observatório de Palo Alto detectaram nos seus radio telescópios um sinal que após ser descodificado se revelou nada mais do que a Gavotte da Terceira Partita Bach.

Trata-se seguramente de uma dupla prova de inteligência não só porque souberam descodificar as instruções como aparentemente gostaram tanto dessa obra que o sinal consiste num loop infinito da mesma! Grande selecção extra-terrestre ! Se soubesse onde estavam rapidamente lhes iria dar um abraço !  Por outro lado se quiserem vir aqui para a Terra tratar da programação de uma qualquer estação de rádio (sem ser necessários radio-telescópios) serão mais do que bem vindos.

Fiquem portanto com esta solução absolutamente divina exactamente com o interprete e a obra incluída e agora retransmitida algures do espaço.


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