sábado, 31 de março de 2012

Scarlatti - As Sonatas para Piano

Quando há uns poucos dias escrevi sobre Carlos Seixas e revi a nossa lista das 100 músicas clássicas (as melhores para começar, sublinhe-se o para começar) invadiu-me o sentimento da injustiça de não ter considerado Seixas em vez de Scarlatti e depois por associação patriótica não ter essa lista nenhum compositor português, que vergonha ! Não estão nem Bontempo nem Joly-Braga Santos nem Lopes Graça ou Freitas Branco entre tantos outros ... Face a essa constatação e para apaziguar a minha consciência já me prometi uma lista das 100 composições portuguesas também para quem queira começar a conhecer a música clássica portuguesa.

Isto dito no nosso objectivo de ir completando as descrições das 100 composições vamos falar hoje das sonatas de piano de Scarlatti. São obras bastante simples do ponto de vista formal, num número avassalador (são mais de 500) quase todas escritas apenas para cravo ou piano-forte embora o conjunto contenha algumas (poucas) para piano e outros instrumentos e 4 para órgão.

Existem três catálogos utilizados (formas de numeração das obras como já explicamos) embora hoje em dia o mais comum seja o do musicólogo Americano Ralph Kirkpatrick (1911-1984), já agora o " L" por vezes ainda utilizado corresponde à compilação (e edição) em 1906 de Alessandro Longo. A diferença das duas metodologias é que enquanto a de Kirkpatrick é cronológica a do Italiano agrupa as composições por "suites" função do seu carácter ou tonalidade. Já agora para conhecerem melhor a obra e a vida deste compositor o livro escrito em 1958 por Kirkpatrick é a referência (aqui fica o link directo para a Amazon).



Claramente é impossível mostrar-vos todas as 550 sonatas assim compilei uma lista sempre com pianistas diferentes duma dezena delas tendo tentado que representassem todo o período temporal e de "temperamento" existentes. É clara em algumas das obras o facto do compositor ter passado uma grande parte da sua vida na península ibérica que lhe dá uma cor nitidamente diferente.

Para acalmar desde já a minha consciência consegui incluir uma pianista portuguesa. Repeti voluntariamente uma das Sonatas (K. 193) para poderem ouvir a diferença entre estas obras interpretadas num cravo - instrumento para o qual muito provavelmente foram compostas - e em piano.

K. 9 interpretada por Daniel Barenboim
K.13 interpretada por Glenn Gould
K. 20 interpretada por Pogorelich
K. 27 interpretada por Michelangeli
K. 135 interpretada por Horowitz (L. 224)
K. 141 interpretada por Marta Argerich
K. 192 e K. 193 interpretada por Gustav Leonhardt
K. 193 interpretada por Anne Queffélec
K. 208 interpretada por Maria João Pires
K. 466 interpretada por Emil Gilels (L. 118)


sexta-feira, 30 de março de 2012

Aldeias da Arrábida - BTT

Ok, não é música clássica, nem sequer é música e muito menos será um clássico mas foi um excelente passeio no passado fim de semana na Arrábida. Notem a concentração e as cores berrantes do atleta ...

quinta-feira, 29 de março de 2012

Há um outro "Coração de Leão"

Além de Ricardo "Coração de Leão" há outro ... afinal havia outro apeteceria dizer (mas não cantarolar). Na verdade na Diapason nº 600 (sim estamos a falar da edição nº 600 da revista que existe desde 1956) ao falarem do grande mestre da música antiga Gustav Leonhardt, falam também de Gustavo Coração de Leão fazendo referência ao seu complicado inicio de vida numa Holanda acabada de sair da segunda Guerra Mundial (1945).

Como podem ter constatado tínhamos falado deste grande músico por ocasião do seu falecimento em Janeiro. este número da Diapason contém um artigo completo interessantíssimo. Dos vários elementos que foram publicados escolho uma citação do mestre:

"Tornei-me músico paraa não ter de falar. Quando toco exprimo tudo o que posso a partir da música que interpreto. Se não funcionar todas as palavras do mundo não o vão melhorar. Se por outro lado já tiver funcionado também não acrescentarão nada."


Quanto à música fiquem com uma das variações Goldberg, também In Memoriam numa expressão de saudade que não passa.





quarta-feira, 28 de março de 2012

Pergolesi - Stabat Matter

No fim de semana passado fui ouvir a Camara Musart (composta por alunos da ESML), o Coro dos Pequenos Cantores da Academia de Amadores de Música e as solistas Margarida Marecos (Soprano) e Conceição Martinho (Alto) dirigidos por Gareguin Aroutiounian interpretar a obra mencionada no título do post.  Foi uma boa forma de passar uma parte da tarde de Domingo.

Esta obra é uma das que mais me toca do reportório barroco. Não sei explicar a razão, talvez seja o conjunto da melodia e do texto (já vos explicarei do que se trata) ou talvez a conjunção dos dois, ou as dinâmicas que se criam entre os solistas e a orquestra (e o coro quando existe). Sei no entanto que me leva quase sempre perto das lágrimas. Embora não tenha forma de o explicar formalmente e possivelmente nem tenha razão do ponto de vista musical acho que é uma obra extraordinariamente revolucionária para a época.

Stabat Matter é na um poema do século XIII que relata a dor de Maria  tendo sido utilizado como base de obras vocais por vários compositores entre os quais para além de Pergolesi  no período barroco podemos citar Vivaldi (neste video numa interpretação de Philippe Jaroussky),  Scarlatti ou já no período clássico Haydn. Aliás aparentemente a obra de Pergolesi foi encomendada para substituir a deste ultimo compositor julgado já "fora de moda". Seguindo os links podem rapidamente comparar as várias obras.

Pergolesi (1710-1736) viveu apenas 26 anos tendo falecido de Tuberculose, esta obra data aliás do ano do seu falecimento. O seu enorme talento foi reconhecido por vários outros compositores entre os quais Bach que inclusivamente a adaptou (BWV 1036).

Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5


Perto da Cruz mantinha-se 

Chorando a Mãe Triste
Perto de Seu Filho até ao fim
[...]

terça-feira, 20 de março de 2012

Carlos Seixas - Concerto para Cravo e Orquestra de Cordas

Este ultimo fim de semana fui ouvir a Orquestra da Escola superior de Música no belissimo auditório Vianna da Motta nas instalações da referida Faculdade. Além da abertura das Bodas de Figaro, de uma das cem sinfonias de Haydn e de um concerto para Oboe de Vivaldi tive oportunidade de voltar a ouvir o concerto para Cravo e Orquestra de Cordas de Carlos Seixas.  Carlos Seixas foi o primeiro compositor português de que falamos neste blog, mais precisamente com esta biografia.

Este concerto em Lá Maior é uma das obras do período barroco que mais me encantam e não me cansarei de vos referir a genialidade do compositor e a inovação que introduziu. esta peça em particular poderá ter sido uma das primeiras obras para este tipo de composição de Orquestra. Os temas são simplesmente deliciosos e quando acaba só temos pena que já tenha terminado. Os cerca de 7/8 minutos sabem a muito pouco.

Desta vez (já da ultima vez num concerto à conversa também assim tinha sido) ouvi o concerto interpretado por uma jovem cravista (Catarina Melo) que nos encantou. Claramente não gravei o evento mas caso alguém tenha um registo autorizado e esteja a ler este post (combinação de eventos quase tão improvável como ganhar a lotaria mas enfim) e o queira e possa partilhar (cada vez mais difícil) já sabe, basta fazer um comentário neste post !

Na falta do registo anterior podem ouvir aqui a Orquestra Barroca Norueguesa dirigida por Ketil Haugsand que também é o solista no cravo. O concerto segue a disposição normal com um primeiro andamento rápido (allegro) seguido de um lento (adagio) para terminar com um novo andamento rápido, neste caso uma Giga. São cerca de 6:30 de música que como dizia gostaríamos que durassem mais ...

A propósito ou a despropósito é deste compositor que actualmente estou a aprender uma outra peça que finalmente consegui encontrar no You Tube ! Fica aqui também essa Toccata interpretada pelo Rui Paiva (de que obviamente nunca chegarei aos calcanhares sequer, aliás depois de ouvir isto a minha luta será para conseguir algo de vagamente parecido :-)) ...

sexta-feira, 16 de março de 2012

Debussy, Francis Poulenc e Denise Duval

Outras das pérolas (numa noite em que a música começou por ser outra, digamos que verde e branca) continuando a revisão do disco da Diapason é uma canção de Debussy interpretada por Denise Duval acompanhada ao piano pelo compositor Francis Poulenc. Essa obra não a consigo encontrar no You Tube mas podem ouvir a parceria entre Denise Duval e Francis Poulenc num vídeo histórico em que interpretam partes da "Voix Humaine".

quinta-feira, 15 de março de 2012

Josef Suk (1929-2011)

No passado mês de Julho (em 2011 portanto) faleceu Josef Suk. Lembrei-me dele porque no disco deste mês da Diapason uma das obras escolhidas no "canto do coleccionador" é a interpretação da Sonata para violino e piano de Dvorak Op. 57. Nesta obra suk é acompanhado ao piano por Jan Panenka com quem gravou inúmeras obras de música de câmara.

Para quem não sabe Josef Suk é  neto do compositor checo de mesmo nome e também bis-neto do próprio Antonin Dvorak pelo que obviamente detinha uma compreensão única das obras do compositor da Boémia. Infelizmente não encontro no You tube interpretações desta obra pelo próprio mas proponho-vos que oiçam Josef Suk com a Orquestra da República checa no Concerto para Violino de Dvorak, e aqui a obra em questão no principio deste post (a interpretação não é de referência mas é de bom nível).

A propósito de Josef Suk (o violinista) proponho também que oiçam sempre com a Filarmónica da Republica Checa a interpretação da obra do seu avô o compositor Josef Suk, Fantasia em Sol Bemol, lindíssimo!

Sempre em família podem ouvir também uma interpretação da Sonatina para Violino e Piano Op. 100 de Dvorak (coloquei o segundo andamento no link porque é o que prefiro mas a obra está totalmente disponível como aliás as anteriores que referi).

domingo, 11 de março de 2012

Mahler - A Nona Sinfonia

Continuando a completar a minha lista das 100 obras hoje iremos falar da Nona Sinfonia de Mahler. A propósito desta lista já expliquei que o critério da mesma é pessoal, destina-se essencialmente a quem pense não gostar de música clássica e queira conhecer algumas obras. Procurei na lista incluir todas as épocas, todos os géneros, todos os instrumentos. alguns leitores acusaram-na de ser um conjunto de "lugares comuns", talvez. Aliás esse é mesmo o objectivo: tornar estas composições lugares comuns para muito mais pessoas.

Quanto à nona de Mahler bem lá está a famosa maldição das nonas sinfonias. Maldição para os compositores eventualmente porque para os ouvintes é o extase que nos espera. Se nunca ouviu esta obra agora com o frio e  eventualmente um cobertor e se possível uma lareira (umas velas também dão) instale-se confortavelmente desligue a luz e deixe-se embalar.

Esta obra de Mahler é polémica quanto ao seu "significado" já que existem musicólogos que vêm na obra uma despedida, vêm um Mahler perturbado pela morte da sua filha e obcecado pela sua condição física embora resignado ou conformado enquanto outros vêm na obra um intenso prazer pela vida e o amor da terra. Outros ainda como Bernstein pensam que a Sinfonia e os seus quatro andamentos são na verdade quatro formas diferentes de despedida ... A verdade é que esta é a ultima Sinfonia completa que Mahler escreveu e de que não chegou a ouvir a estreia embora entretanto tenha iniciado a composição da Décima Sinfonia que ficaria incompleta. Na verdade Mahler faleceu a 8 de Maio de 1911 tendo a nona sinfonia sido estreada a 26 de Junho de 1912 pela Filarmónica de Viena dirigida por Bruno Walter. Para ilustrar os vários andamentos utilizamos um filme de Bernstein com os ensaios com a Filarmónica de Viena (Bernstein fala da Nona de Mahler ) e a interpretação de Haitink com a Orquestra ConcertGebow naquela que também foi a despedida do maestro dessa Orquestra depois de 23 anos como director musical, apropriado portanto para uma longa metáfora da despedida.

O primeiro andamento (Andante Comodo) poderá representar a juventude do compositor. Acredita-se que poderá ser assim pela citação recorrente de um tema da Sonata nº 26  de Beethoven "Les Adieux"  (op. 81) que o compositor tocou na sua estreia enquanto instrumentista ainda em Viena (na saída do Liceu). Segundo Bernstein no entanto este andamento é a despedida de Mahler do amor e da ternura terrena. Bernstein estava convencido que o ritmo utilizado no inicio é uma forma de representação do próprio bater de coração de Mahler. Devido à duração deste primeiro andamento o resto pode ser ouvido aqui (2/3) e aqui (3/3).

O segundo andamento (No tempo de um Landler) começa por ser uma dança popular, um landler para ser preciso como aliás indica a menção do tempo. Despede-se neste andamento Mahler segundo Bernstein dos prazeres simples da vida do campo, da natureza. A utilização do landler (o antecessor da valsa) que se vai aos poucos distorcendo ao ponto de ser tornar quase grotesco poderá também representar os prazeres básicos não intelectualizados não "tratados" tudo repleto de amargura que lhe confere a dimensão da despedida (pode ouvir o restante do segundo andamento aqui )

Se o segundo andamento é o da não sofisticação então o Terceiro (Rondo - Burlesque - Allegro Assai) é a despedida aos prazeres mais sofisticados os prazeres urbanos se quisermos, isto sempre segundo Leonard Bernstein. Descreve uma sociedade decadente, quase louca ou histérica divertindo-se sem qualquer propósito. Deve soar a loucura diz Bernstein este andamento profundamente irónico e caricatural. Apesar das tentativas de Mahler de introduzir alguma ordem o andamento acaba num verdadeiro tumulto como se não houvesse solução possível para essa sociedade "urbana" e sofisticada. Podem ouvir o resto deste andamento aqui.

O quarto andamento (Andante - Muito Lento) por seu lado começa com uma melodia lindíssima que Bernstein diz que é propositadamente um cliché uma reminiscência de música religiosa. Trata-se agora da morte ela mesma, o fim da vida, um Requiem se quisermos. Mas ao fim de alguns minutos a característica do movimento modifica-se tornando-se quase transcendental eterea como uma metáfora da desagregação do corpo. Porém o movimento não acaba sem que exista uma ultima explosão de matéria, um ultimo e amargo sorvo de vida que se extingue aos poucos (numa série de tentativas cada uma menos forte que a anterior) e numa coda e num dos fins mais calmos de toda a história da música.  O quarto andamento também teve de ser partido em três partes por quem postou a interpretação que nos tem servido de guia, podem ouvir as partes remanescentes aqui (2/3) e aqui (3/3).

Se quiserem ouvir tudo seguido têm no You Tube uma boa interpretação de um outro grande especialista de Mahler George Norrington com a Sinfónica de Stuttgard (discutível na escolha dos tempos mas isso em Mahler é questão para acalorados debates em que não entraremos)

A escolha da uma interpretação de referência não é nada fácil (é que com base nesta gravação há pelo menos uns dois ou três Grammys e vários outros prémios com maestros como Karajan, Boulez ou Solti). Poderíamos sem dúvida escolher Bernstein (Bernstein entendia Mahler como poucos - ouçam por exemplo um dos mais notáveis programas da série Young People´s Concerts Bernstein explica quem é Mahler) mas para variar decidimos escolher uma interpretação de Claudio Abbado com a Filarmónica de Berlim que não fica nada atrás dos já mencionados. Mahler é como diz Bernstein música que não pode ser ouvida sem nos emocionarmos por isso trata-se de escolher quem nos consiga. O ambiente certo ajuda daí a minha sugestão inicial e agora depois de toda esta conversa estais prontos.




quinta-feira, 8 de março de 2012

Bach: Variações Goldberg por Blandine Verlet

Continuando a minha descoberta da edição de Março encontro no disco deste mês uma interpretação de uma parte das variações Goldberg e fico preso pela interpretação de Blandine Verlet. Por sorte podem uma interpretação da totalidade desta obra por esta cravista aqui , despachem-se que não sei por quanto tempo este "video" vai escapar .... uma hora de grande música numa abordagem original, muito ornamentada de Bach.

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Arte da Fuga (Bach)

O disco oferecido com a Diapason deste mês é L´Art de la Fugue com André Isoir no órgão. Escrevo este post enquanto me delicio com a obra. E eu que nem sequer sou grande fã de órgão (gosto mas não posso dizer que seja dos meus instrumentos preferidos) deixo-me facilmente enredar pela teia polifónica, pela sua clareza e complexidade em simultâneo perdido entre as várias melodias que se cruzam sem saber onde me fixar. Como quem olha para um céu estrelado e não se consegue fixar num conjunto de estrelas tão cintilantes que todas parecem.

Obra ultima de Bach envolta em mistério para alguns, incompleta para outros. Perfeita. Não é céu que Bach pinta é o Céu que ele atinge ou melhor que define. Abro com sinceridade a cortina na janela que tenho em frente e olhando em frente não atinjo as estrelas mas  não é culpa de Bach, são antes as nuvens que toldam o céu de inverno, azar da circunstância ultimamente pouco comum. Porém se os olhos não partem, parte a alma na mesma viagem.

Não encontro uma versão da BWV 1080 por este interprete mas em compensação deixo-vos com o sempre admirável Glenn Gould (com trautear incluído :-)).

terça-feira, 6 de março de 2012

Dvorak - A Nona Sinfonia "do novo mundo"

Dvorak de quem falamos embora brevemente nesta curta biografia escreveu esta sinfonia na sua residência em Nova Iorque para onde tinha sido convidado diz-se na esperança que pudesse trazer o novo país (os Estados Unidos) para a cena artística mundial quer  das suas orquestras quer da sua musica "nativa".

A verdade é que a nona Sinfonia foi desde a sua estreia um sucesso sendo uma das obras mais interpretadas do reportório clássico. Na estreia a 16 de Dezembro de 1893 diz-se que no fim de cada andamento a Orquestra foi interrompida pelos aplausos do público e que Dvorak foi forçado em cada um deles a aparecer e a agradecer os aplausos. No que nos diz respeito só é pena não existir na altura a memória visual e fonográfica porque gostaríamos sem duvida de a partilhar.

O que é fantástico é se o Conservatório que foi convidado a dirigir e que justificou a sua deslocação para os Estados Unidos não teve sequência é que esta obra é fundamental na criação de uma identidade americana no que diz respeito à música clássica mesmo que seja discutível se a fonte de inspiração da mesma seja genuinamente americana (ou afro-americana) como Dvorak explicava em 1893 na véspera da estreia ou antes da Boémia como pretendem alguns musicólogos. Podemos sempre alinhar com Bernstein e preferir considerar que é uma obra verdadeiramente multicultural. O que não é discutível é que tanto esta obra como a permanência de Dvorak na América efectivamente criou a escola americana. Igualmente indiscutível, celá vá de soi, é a relevância da obra na história da música.

A obra encomendada pela Orquestra Filarmónica de Nova Iorque foi estreada como referido no dia 16 de Dezembro de 1893 no Carnegie Hall sendo a Orquestra dirigida por Anton Seidl. Não existindo registos dessa época escolhi para vos ilustrar esta sinfonia a interpretação de Karel Ancerl dirigindo a Orquestra Filarmónica Checoslovaca numa gravação de 1958.

Para quem não tem problemas com inglês obviamente não posso deixar de recomendar uma apresentação de Bernstein de 1958. Esta apresentação da obra é interessante dado que aponta as verdadeiras fontes de inspiração de Dvorak como sendo essencialmente europeias embora de fontes tão diversas que pelo seu carácter multicultural a obra se torne na opinião de Bernstein verdadeiramente americana. Não tendo  conhecimentos musicais para discutir a opinião deste maestro que ainda por cima admiro profundamente acrescentaria que pouco importa a fonte de inspiração se ela nos soa hoje como "americana" e se na época teve como efeito (e isso é indiscutível) a criação de uma escola ou pelo menos alguns arquétipos, alguns fundamentos dessa escola. Notável para alguém que passou poucos anos nos Estados Unidos.

Primeiro Andamento (Adagio-Allegro Molto) : Escrito na forma de sonata (embora tenha alguns pontos que não são propriamente típicos desta forma) este andamento começa de uma forma lenta introspectiva diz-se por vezes inspirado da melancolia dos espirituais negros numa introdução que nos leva à apresentação dos dois temas (ou três dependendo das análises) sendo que esse terceiro tema é precisamente aquele que mais é identificado com essa forma musical. Mas  mais importante do que apreciar a maestria formal é conseguirmos perceber a intensidade dramática que Dvorak pretende transmitir. Esta intensidade é conseguida obviamente á custa dos instrumentos de que um compositor dispõe, dos momentos de calma, das mudanças de intensidade e de tipo de som, dos diálogos entre vários instrumentos. Começa calmo este andamento como que nos preparando e dizendo algo tem de acontecer, algo vai acontecer e será dramático dizem-nos os quatro acordes que rompem essa calma. Quando o primeiro tema é mostrado tem primeiro de "lutar" fazendo algumas aparições ténues e incompletas antes de ser totalmente revelado. É com estes conflitos que Dvorak nos transmite uma primeira ideia de intensidade dramática que logo é contrastada pelo seu exacto oposto, uma melodia de grande beleza e calma. Depois há ainda o terceiro tema (ou a segunda parte do segundo dependendo como dizia das interpretações) claramente inspirado dos espirituais negros. Se toda a parte da exposição dos temas é dramática e cheia de surpresas o desenvolvimento, a re-exposição e a coda não lhes ficam a dever nada num final de andamento que nos deixa verdadeiramente emocionalmente exaustos. Oiçam aqui a interpretação de Karel Ancerl e da Filarmónica da Checoslováquia numa interpretação gravada ao vivo em Ancona em 1958.

Segundo Andamento (Largo) : Precisávamos como numa boa peça de teatro ou num bom filme de um contraponto a essa montanha russa (deveria dizer eslava) de emoções e é isso que o segundo andamento nos dá. Um momento de serenidade, de grandes espaços de nostalgia também parece-me claro, mas sobretudo de calma. Este andamento é sobretudo conhecido pelo tema introduzido pelo Corne-Inglês tema que aliás foi retomado pela música popular americana na conhecida canção "Going Home". Na verdade a nostalgia, tranquilidade e diriam os portugueses a saudade parece estar presente. Se quiserem podem ouvir aqui uma interpretação histórica e fabulosa desta canção na voz de Jane Froman. Embora não seja claro se existia um espiritual negro no qual Dvorak se teria baseado o que é certo é que este tema se tornou popular depois da estreia da sinfonia. Aliás a interacção entre Dvorak e Harry Burleigh e a criação de uma identidade musical americana daria só por si tema suficiente para um post. Curioso será que esta tenha sido a obra de um boémio (no sentido de habitante da Boémia, não sejam maldosos) ainda por cima cheio de saudades do país natal. Curioso ou talvez não. talvez não pudesse ter sido mais certo nesse verdadeiro melting-pot de culturas, melhor talvez só um português mas não calhou ... Podem continuar se desejarem com a interpretação de Karel Ancerl mas para que tenham outras alternativas antes das sugestões finais aqui fica a interpretação de Karajan dirigindo a Filarmónica de Viena.

Terceiro Andamento (Sherzo-Molto Vivace) : No terceiro andamento espera-nos mais um contraste. Da paz do segundo passamos a um andamento frenético e cheio de contrastes tal como o primeiro. Se o inicio do andamento vos parecer semelhante a qualquer coisa que já ouviram, bem, é porque na realidade  Dvorak cita Beethoven e a sua Nona Sinfonia num sinal de respeito e de admiração. Numa sinfonia do novo mundo Beethoven obviamente só poderia ficar bem, um dos primeiros paladinos dos músicos e da sua liberdade criativa, merece ser citado na primeira obra que estabelece a maturidade artística de um novo país mesmo que esta seja obtida através de colaborações externas. Mas afinal esse não é exactamente a forma fundadora dos Estados Unidos? Neste andamento contrastam passagens rápidas com passagens lentas e belas melodias, ritmos em que quase podemos ouvir os cowboys nas pradarias mas também elegantes valsas directamente da Boémia de Dvorak. É uma terra de contrastes, de fusão aquela que nos é descrita neste andamento. Podem como sempre continuar com Karel Ancerl (Terceiro Andamento) não vos levo a mal se o fizerem mas como gosto de dar alternativas oiçam agora um outro checo Rafael Kubelik com a Orquestra Sinfónica de Chicago numa gravação de 1951.

Quarto Andamento (Allegro com fuoco) : E agora podemos perguntar:  Haverá ainda alguma coisa para dizer? Para qualquer outro compositor talvez não houvesse (a quantidade de material, de ideias, de melodias expostas nesta sinfonia é avassaladora) mas para Dvorak não. Este quarto andamento ainda nos reserva uma boa dose de surpresas: Na sua tradicional (bom apenas aparentemente já que esta é altamente modificada) forma de Sonata, na inspiração do seu mentor e amigo Brahms, na utilização de formas melódicas irlandesas e escocesas, na forma inovadora como a recapitulação dos temas é feita nomeadamente na alteração dos temas na sua recapitulação. Este andamento é aliás melhor descrito como uma verdadeira metáfora  dos Estados Unidos: Uma "sopa" de temas que se vão misturando, alterando, lutando, chegando a consenso, unidos num bem comum, numa obra verdadeiramente grandiosa que termina numa das formas mais calmas que conheço. Oxalá tal como na metáfora os Estados Unidos cheguem a esse fim. Podem como sempre ouvir este andamento por Karel Ancerl (Quarto Andamento) - Primeira Parte , Karel Ancerl (Quarto Andamento) - Segunda Parte mas se prefirirem algo completamente diferente proponho-vos desta vez Gustavo Dudamel

Já referimos sobejamente o enorme sucesso e influência que esta obra teve desde a sua estreia e também já recomendamos ao longo deste post algumas interpretações. Geralmente poderia dizer-vos que para além de Karel Ancerl e de Kubelik poderia recomendar-vos quase sem conhecer muitos outros maestros checos do século XX, parece que eles entendem esta música de forma quase mágica (o que não é surpreendente, provavelmente nasceram com muitas destas melodias na alma) assim como a interpretação de Szell mas nitidamente a que vos aconselho antes de outra é curiosamente a de um americano: Leonard Bernstein. Além de Mahler este (Dvorak) é um compositor que Bernstein entende completamente talvez porque neste caso é a sua América que é retratada.

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