sexta-feira, 27 de julho de 2012

Em memória da Mafalda um ano depois

Fará no próximo dia 28 de Julho um ano que a minha esposa faleceu. Tenho desde essa data, de vez em quando, escrito aqui algumas linhas sobre a Mafalda numa vã tentativa de lhe dizer o que lhe deveria ter dito em vida

Faço-o em antecipação porque não estou seguro de o conseguir fazer depois ou no próprio dia. Faço-o em antecipação porque na verdade desde há uns dias que me atormenta esta proximidade. Sei - ou não fosse de ciências - que é apenas um marco temporal sem qualquer significado especial a não ser o facto da terra ter completado aproximadamente mais uma orbita em torno do sol. Não obstante não consigo deixar de sentir uma angústia crescente e por isso como forma liberatória, uma tentativa de uma noite mais calma, junto algumas poucas linhas.

Sempre fomos muito diferentes embora sempre tenhamos respeitado a forma de ser de cada um. Tivemos as nossas querelas obviamente, as nossas lutas. Eu andava sistematicamente de cabeça no ar e como sempre tu tinhas de me trazer à terra. Nem sempre gentilmente, às vezes com palavras bem duras que não eras de deixar coisas por dizer. Eu protestava contigo por essa inflexibilidade mas no fundo sei (sempre soube) que exprimias assim o teu amor.

O que é mais engraçado nesta história é que quando começamos a namorar tu gentilmente avisaste-me para não me deixar dominar por esse teu feitio. E assim ambos fizemos e dessa independência mutua a única possível para personalidades tão diferentes nasceu um equilíbrio que nem sempre foi fácil de manter mas que ambos procurávamos com afinco: Dele nasceu o mais desejado dos filhos e no que lhe dizia respeito sempre nos reencontramos.

Depois quando começaste a fazer voluntariado voltaste a encontrar uma alegria que parecia te ter escapado um pouco. Paradoxalmente embora tivesses menos tempo para nós acabamos por nos reaproximar. Do teu voluntariado e das situações que viveste guardo inúmeras conversas e momentos e sobretudo procuro não me esquecer do que me dizias e me ensinaste sobre a  morte. Levei muitos anos até conseguir abordar este tema com a mesma tranquilidade com que o fazias, aliás penso que ainda hoje não o consigo na totalidade.

Tínhamos por vezes conversas que poderiam parecer mórbidas ou presságios para os mais supersticiosos mas que na verdade vieram a revelar-se cruciais para que conseguíssemos lidar com a tua maldita doença. Permite-me Mafalda pelo menos aqui uma exclamação de revolta pela injustiça. Nem todas as histórias de amor têm fins felizes. A tua (nossa) não teve e não o merecias mesmo. Duvido que sem essas nossas longas conversas (e não só) tivesse conseguido ultrapassar estes últimos anos, os últimos meses, este ano inteiro sem a tua presença.

Vivemos juntos mais de metade das nossas vidas e confesso-te que me sinto só. Sinto a tua falta mesmo com os meus monólogos intercalados pela imaginação da tua resposta. Vou manter-me fiel ao que combinamos naquele dia em Sintra, não deixarei de viver ou de rir ou de celebrar a vida. Fizeste-me prometer isso e vou cumprir. Não só por te ter prometido mas porque ambos achávamos que essa era a forma certa de viver. Perdoa-me este pequeno parênteses e se aí por cima tiveres net e se puderes ler estas linhas podes rir à vontade e acrescentar: eu bem te disse ...

Prometi o mês passado partilhar aqui um outro poema de Vinicius que tinhas na tua carteira e que não poderia exprimir melhor o que tantas vezes argumentamos...

A morte vem de longe 
Do fundo dos céus 
Vem para os meus olhos 
Virá para os teus 
Desce das estrelas
Das brancas estrelas
As loucas estrelas
Trânsfugas de Deus
Chega impressentida
Nunca inesperada
Ela que é na vida 
A grande esperada!
A desesperada 
Do amor fratricida
Dos homens, ai! dos homens
Que matam a morte
Por medo da vida.

No Sábado 28 de Julho às 9:00 da manhã na Igreja de Entrecampos de que Mafalda tanto gosta(va) haverá uma missa. Todos os amigos, conhecidos ou desconhecidos, serão bem vindos.

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