sexta-feira, 8 de junho de 2012

In Memoriam Ray Bradbury (1920-2012)

Faleceu no passado dia 5 de Junho Ray Bradbury. Confesso que fui ontem surpreendido com a notícia, embora Bradbury tivesse já 91 anos, num post de um amigo no Facebook.

Para mim Bradbury representou uma importante parte na descoberta da literatura. Comecei a ler Bradbury traduzido para francês, aliás numa excelente tradução da colecção Mille Soleils se não estou em erro quando tinha 12 anos talvez. O livro fazia parte das obras estudadas no Liceu Francês - sim estão a ler correctamente ensinava-se nesse liceu obras traduzidas de autores não franceses.

O livro que estudamos foram as Crónicas Marcianas - que revelação. Que revelação. A partir daí nunca mais deixei de apreciar o autor e seguiram-se não vos prometo que por esta ordem Fahrenheit 451 (para muitos incluindo talvez para o próprio) a sua obra-prima, The Golden Apples of the Sun - que fantástica recolha de contos o género em Bradbury em meu entender não tem rival - The illustrated man, Something Whicked this Way Comes ou ainda I Sing the Body Electric - todas estas já as li na sua versão original em Inglês (infelizmente as traduções portuguesas que existem de algumas destas obras não estão ao nível da linguagem de Bradbury).

Na verdade catalogar Ray Bradbury como um escritor de ficção cientifica é um triplo erro. Primeiro porque como ele próprio afirmava o que ele escreve é mais fantasia do ficção e dificilmente cientifica. Depois porque o enclausura num género em que tantas vezes se pensa não existir grande qualidade literária - percepção errada claro porque como em quase todos os géneros existem bons e maus escritores e Bradbury era dos muito bons e finalmente o terceiro erro dizia dá-se porque ao fazê-lo quase que ignoramos a poesia dos seus textos. E disse poesia de propósito porque em muitos casos é de poesia que se trata.

Como na música deixo-vos com a arte do autor, com o inicio das Crónicas Marcianas. Se nunca leram este livro tenho de vos dizer três coisas: Primeiro invejo a revelação que vão ter quando o fizerem, segundo não se deixem enganar pelo título (as histórias são muito mais profundas do que podem parecer e do que o título deixa sugerir), terceiro não percam mais tempo e vão já comprar um exemplar ...

Aqui fica portanto o "Verão do Foguetão", o primeiro capítulo ... Pura prosa poética ... não me atrevo para já a traduzir mas não se atrevam a utilizar o Google Translate :-) , senão prometo-vos que arrisco uma tradução :-)

One minute it was Ohio winter, with doors closed, windows locked, the panes blind with frost, icicles fringing every roof, children skiing on slopes, housewives lumbering like great black bears in their furs along the icy streets. 


And then a long wave of warmth crossed the small town. A flooding sea of hot air; it seemed as if someone had left a bakery door open. The heat pulsed among the cottages and bushes and children. The icicles dropped, shattering, to melt. The doors flew open. The windows flew up. The children worked off their wool clothes. The housewives shed their bear disguises. The snow dissolved and showed last summer's ancient green lawns. Rocket summer. The words passed among the people in the open, airing houses.


Rocket summer. The warm desert air changing the frost patterns on the windows, erasing the art work. The skis and sleds suddenly useless. The snow, falling from the cold sky upon the town, turned to a hot rain before it touched the ground. Rocket summer. People leaned from their dripping porches and watched the reddening sky. 


The rocket lay on the launching field, blowing out pink clouds of fire and oven heat. The rocket stood in the cold winter morning, making summer with every breath of its mighty exhausts. The rocket made climates, and summer lay for a brief moment upon the land.... 


 February 2030

Kathleen Ferrier (1912-1953)

Aproveitando o facto da Diapason lhe ter dedicado este mês umas excelentes páginas e também tendo em consideração que o canto lírico não é dos tipos de música clássica mais representados neste blog o post de hoje é inteiramente dedicado a esta contralto tragicamente falecida vitima de cancro no auge da sua carreira. Claro que o facto de este ano se celebrar o centésimo aniversário do seu nascimento também teria sido uma excelente razão. A biografia que hoje aqui vos deixo é baseada essencialmente no artigo referido da Diapason e também na página da Kathleen Ferrier Society.

Kathleen Ferrier nasceu a 22 de Abril de 1922 em Higher Walton aldeia do Lancashire. O pai cantor amador ensinou-lhe os rudimentos do canto mas Kathleen não começou por optar pelo canto antes dedicando-se ao piano. Aliás a bem dizer a curtíssima carreira de cantora de Kathleen Ferrier quase se deve ao acaso.

Na verdade aos 23 anos tendo-se casado com o gestor de um banco em Silloth este desafiou-a a entrar simultâneamente num concurso de piano e de canto. Kathleen que nunca recusava uma aposta aceitou o desafio e não só se inscreveu nesse concurso como venceu em ambas as categorias. Carlisle em 1937 marca assim o inicio da sua carreira embora na verdade profissionalmente isso apenas viesse a acontecer uns anos mais tarde em plena Segunda Guerra Mundial.

Na verdade nesses anos particularmente dificeis a CEMA (Council for the Encouragement ar of Music and the Arts) procurava artistas que pudessem levar a música às populações inglesas como uma forma adicional de manter o moral e a possível normalidade. A CEMA abordou Kathleen que aceitou esse desafio cantando literalmente por todo o país nos mais variados locais.

Kathleen no entanto sentia necessidade de formação que nunca tinha tido e por essa razão tentou uma audição em Manchester com o Director Musical da BBC que foi recusada. Em 1942 no entanto conseguiu uma audição com o maestro Malcom Sargent que viria a ser o segundo ponto de viragem da sua carreira dando literalmente uma projecção mundial a Kathleen.

Malcolm recomendou-a a Ibbs e Tillet, gestores de carreiras musicais em Londres que de imediato aceitaram ser seus agentes. Entretanto Kathleen conseguiu também convencer o barítono Roy Henderson a ser seu professor.

Ainda esse ano (1942) ocorre o que foi possivelmente o seu primeiro contacto com o palco em termos "clássicos" num recital que ocorreu a 28 de Dezembro na National Gallery. Estávamos ainda em guerra e por essa razão Kathleen continuava a percorrer o país com recitais um pouco por toda a Inglaterra.

Em 1944 faz a sua primeira gravação com a EMI (embora fosse apenas um teste foi recentemente editado) mas as relações com o produtor eram más o que a levou rapidamente a mudar para a Deca, editora para quem gravou entre 1946 e 1952.

Em 1944 canta o papel do Anjo na obra de Elgar The Dream of Gerontius no que se viria a tornar um dos seus papeis de referência e infelizmente nunca gravado. Em Dezembro desse mesmo ano quando trabalhava numa outra obra de Elgar viria a conhecer o maestro John Barbirolli que se viria a tornar um dos seus grandes amigos e defensores ao mesmo titulo que Benjamin Britten, Neville Cardus, Roy Henderson (o barítono de quem já falamos), Gerald Moore e Bruno Walter.

Kathleen Ferrier não apreciava especialmente a ópera. Na verdade o seu talento enquanto actriz era discutível. No entanto não pode dizer não ao seu amigo Benjamin Britten que a convenceu a aceitar o papel de Lucretia na ópera "The Rape of Lucretia" no que se viria a tornar uma colaboração interessante com o festival de Glyndebourne.

Esta colaboração aliás viria a ser de capital importância musical pois foi o director do festival que apresentou Kathleen Ferrier a Bruno Walter iniciando assim uma colaboração artisticamente relevante e que nos deixou gravada uma das mais representativas interpretações de Mahler - Das Lied von der Erde. Bruno Walter um dos maiores maestros do século XX afirmou que os maiores privilégios da sua carreira foram ter trabalhado com Kathleen Ferrier e com Mahler por essa ordem, nas suas palavras ...

Em 1948 faz a sua primeira tournée internacional viajando pelos Estados Unidos, Canadá e Escandinávia seguindo-se 18 meses de actividade frenética que podem ser considerados o pico da sua curta carreira. No inicio de 1951 depois de ter sido diagnosticado um cancro nos seios é operada retomando a sua carreira uns meses depois com a Missa em Si Menor. Em 1952 apesar de continuar doente e com considerável nível de dor grava em Viena com Bruno Walter e a Filarmónica de Viena "Das Liede von der Erde" precisamente a "tal" gravação que serve de referência a todas as gravações desta obra. Hoje não temos percepção da importância que na altura teve na difusão da obra de Mahler na altura praticamente desconhecida. É com esta obra que iniciamos o conjunto de extractos com que pretendemos ilustrar este post e precisamente nessa gravação histórica pelo momento e histórica pela excelência artística (coincidência nem sempre verificada)




Além da já referida obra de Mahler e na ausência da obra de Elgar não é fácil escolher outras obras sobretudo na ausência de outras obras que eram a imagem de marca de Kathleen. Vamos porém tentar e mantendo Mahler temos obviamente de vos falar de Kindertotenlieder também com Bruno Walter nesta gravação com a Filarmónica de Nova Iorque.



Depois de Mahler teriamos claramente de pelo menos incluir um extracto de Handel e do Messiah que Kathleen gostava particularmente mas de que não existe nenhuma gravação completa. Propomos uma gravação de 1952 (uma das ultimas certamente) com Adrian Boult.



Não podemos também deixar de vos mostrar uma parte da Paixão segundo s. Mateus uma das outras obras da qual infelizmente não existe uma gravação completa de Kathleen, no entanto o extracto que vos proponho Erbame Dich mein Got" é suficiente para nos deixar verdadeiramente apaixonados.



Por fim deixo-vos com uma canção popular uma das que tornou Kathleen Ferrier conhecida no Reino Unido. Não é inocente terminar assim. Esta interpretação de uma canção, digamos, vulgar no sentido em que não é diferente de tantas outras, ganha na voz uma dimensão espiritual única. Uma dimensão que apenas as vozes especiais podem dar. Aquelas que são capazes de nos transportar a alma ...



Kathleen Ferrier faleceu em Londres a 8 de Outubro de 1953.

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