quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Fernando Lopes Graça (1906 - 1994)

Um país que conte num século com músicos da qualidade de Vianna da Motta, Luís de Freitas Branco, Joly Braga Santos e Fernando Lopes Graça entre outros só poderia estar feliz e considerar-se certamente um dos marcos culturais da Europa. Aparentemente poucos entre nós se apercebem da dimensão destes vultos.

Fernando Lopes graça nasceu em Tomar a 17 de Dezembro de 1906 onde iniciou os seus estudos de piano. Ingressa depois no Conservatório Nacional onde viria a ser aluno de Vianna da Motta (piano) e o Padre Tomás Borba (outro dos grandes vultos musicais portugueses do século XX e praticamente desconhecido a não ser de uma minoria) e Luís de Freitas Branco (composição e Ciências Musicais). Viria a terminar o curso do Conservatório em 1931 com a classificação máxima tendo obtido em 1934 uma bolsa de estudo para estudar em Paris com Charles Koechlin.

Porém tal como tinha sido anteriormente proibido de exercer no conservatório Nacional por razões politicas exactamente pelas mesmas razões vê-se impedido de aproveitar essa bolsa deslocando-se no entanto para Paris (1937) a custas próprias para estudar com o referido professor.  Volta a Portugal em 1940 sendo então convidado por Tomás Borba para leccionar na Academia de Amadores de Música lugar que guardaria até 1954 altura em que a ditadura lhe retira a licença para leccionar sendo portanto privado de meios de subsistência.

Inspirando-se em Bela Bartok de que era confesso admirador inicia também nessa altura  (1940) com Michel Giacometti (há algumas biografias que indicam que este trabalho se iniciou em 1961 - não sei como dirimir entre as duas versões) uma recolha da música popular portuguesa trabalho absolutamente notável e que irá infelizmente em conjunção com um outro facto que relataremos de seguida diminuir a visibilidade da sua obra enquanto compositor. Porém contrariamente a Bartok Lopes Graça muito mais raramente incorporou nas suas obras sinfónicas elementos estilizados desse folclore (a influência existe mas a construção é diferente). Excepção deve-se fazer claro às harmonizações de canções populares que escreveu para vários coros (e outras obras para piano solo como por exemplo As Glosas)

Este ultimo facto leva-nos directamente à segunda razão pela qual muitas vezes se reduz Lopes Graça a um compositor "de intervenção" que sem dúvida foi mas que na minha opinião (e de muitos outros certamente mais relevantes como por exemplo o Maestro António Vitorino d´Almeida)  está longe de ser a parte mais relevante da sua obra. É certo que Acordai por exemplo é um marco relevante mas o que dizer então do concerto para Violoncelo obligatto (1969).  Na verdade se antes da revolução de 25 de Abril de 1974 se procurava ignorar a obra do compositor por razões politicas depois dessa data a faceta de resistente acabou por diminuir o crédito ao compositor de obras que não possuíam essa faceta.

É que para além do já referido concerto existem uma boa dezena de outras obras absolutamente notáveis. Dessas obras podemos salientar o conjunto de seis sonatas para piano (1931-1984recentemente interpretadas por António Rosado e editadas pela Numérica em colaboração com a câmara Municipal de Matosinhos pela ocasião do aniversário do falecimento do compositor (Ref.: NUM 1124 [Cd Duplo]) ou ainda no que diz respeito a obras para piano "In Memorian Bela Bartok" também interpretadas por António Rosado recentemente e igualmente registadas pela Numérica (Ref.: NUM_1145).

A titulo de curiosidade note-se que esta predilecção por Bartok lhe valeu (para além do óbvio mérito artístico que tinha) a honra de ser convidado pelo governo húngaro para participar no 100º aniversário do nascimento de Bela Bartok (1981). Ainda neste registo António Vitorino d´Almeida faz-nos notar que na sua obra "Requiem pelas vitimas do Fascismo em Portugal" Fernando Lopes Graça começa a obra com exactamente as mesmas notas com que o compositor Húngaro inicia uma das suas obras primas: A Música para Cordas, Percussão e Celesta . António Vitorino d´Almeida não acredita que seja uma coincidência ...

Continuando o registo de obras notáveis (e havíamos prometido uma dezena fácil) claramente não podemos esquecer o Quarteto para Cordas nº 1 com o qual vence o prémio Rainier III do Mónaco de composição que também não consegui localizar (ainda).

Canto de Amor e de Morte, Sinfonia Per Orquestra, Quatorze anotações para quarteto de cordas, sete Lembranças para Vieira da Silva seriam outras obras que recomendamos (entre outras) para quem deseje conhecer melhor o génio deste compositor português.

Não esquecendo claro está toda a sua vasta produção para crianças desde o Álbum do Jovem Pianista até às canções de embalar.

Recomenda-se para quem deseje saber mais sobre a obra do compositor uma visita ao Museu da Música Portuguesa onde se encontra todo o espólio do compositor. No próprio site também se encontram fotografias e documentos online bastante interessantes como por exemplo alguns recortes de imprensa recolhidos pelo próprio Fernando Lopes Graça sobre as várias estreias das suas obras e outras actividades. entre estes documentos escolhemos um artigo de João de Freitas Branco escrito a propósito de uma conferência que Lopes Graça proferiu na "sua" Academia dos Amadores de Música.

Dizia Lopes Graça acerca da música: "«Que hei-de dizer-lhes acerca da Música, que os interesse e que esteja ao meu alcance?» pergunta Lopes-Graça nos anos trinta. A resposta será o seu caminhar resistente reflectido nestas palavras: « Poderia dizer-lhes enfim, como além de uma Arte a considero uma Religião, a minha única religião (...) e como visiono uma única Religião do Futuro, a única Religião de uma Humanidade Livre, Justa e Sábia». - citado de Vidas Lusófonas - Lopes Graça.

Fernando Lopes Graça faleceu na Parede (perto de Lisboa) a 27 de Novembro de 1994.

Outras obras consultadas:

1 comentário:

  1. Já disse aqui "Lopes Graça ainda não me convenceu."
    A verdade é que a rádio e muitos concertos, por norma, tocam deste compositor obras que ora parecem rearranjos do folclore nacional dissonante, ora peças de intervenção.
    Hoje mostrou um Lopes Graça muito mais criativo do que interventivo e de arranjos, tendo em conta que sou assumidamente um grande apreciador de Bartok... este post foi uma boa surpresa.
    Talvez se no passado a sua ideologia foi motivo para o abafar, depois serviu para valorizar a parte menos genial do compositor.

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