segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O que é a música clássica ?

Este texto é largamente inspirado no script de Leonard Bernstein da sua série Concertos para Jovens. Foi resumido e alterado ligeiramente mas o fundamental, penso eu, foi mantido. Nos poucos pontos em que completei a opinião do maestro com pensamentos próprios indico-o claramente.

Esta é uma pergunta estranha. É estranha porque se por exemplo alguém ouvir isto ou isto ou ainda isto por muito diferente que sejam estes trechos poucos terão duvida em classifica-los como sendo de música clássica (e será provavelmente essa a palavra que utilizarão na maioria dos casos).

Caso tenha chegado a este blog não há procura de uma definição deste tipo de música mas à procura de uma forma de começar a gostar de começar a aprender sugerimos este outro conjunto de posts: Os nossos tops simplificados de música clássica: aqui. E chamamos-lhes "tops" com perfeita consciência de que estamos a percorrer uma via perigosa ... de redução, eliminação, simplificação, ... mas essa é a nossa faceta de engenheiro. Dado um assunto complexo divide-se em partes começa-se por explicar o que é simples e depois aos poucos vai-se tornando o quadro mais rigoroso.

Então porque razão é necessária a definição ? Bem essencialmente porque a razão pela qual classificamos as músicas anteriores como sendo "clássicas" é simplesmente porque não são de um qualquer outro tipo que reconhecemos.

Mais ainda apenas utilizamos esta palavra porque esta parece melhor do que outras que por vezes ouvimos serem utilizadas. Por exemplo música "séria" por oposição à música que ouvimos para nos divertirmos de forma menos consciente, designação que também não é especialmente brilhante porque há muitas outras formas de música "séria".

Outros utilizam a palavra "erudita" indicando dessa forma que apenas pessoas com cultura e erudição o que também está manifestamente errado porque obviamente pode-se entender e gostar de música "clássica" sem ter formação ou serem especialmente versados em arte.

Outras pessoas utilizam a designação de música sinfónica o que estando correcto é redutor porque isso deixa de fora uma série de formas de música que temos vindo a mostrar-vos neste blog.

Estando todas estas palavras erradas então para encontrar a designação correcta teremos de procurar o que é faz esta música diferente. A verdadeira diferença é que quando um compositor de música clássica compõe uma peça escreve exactamente as notas que pretende, os instrumentos que pretende, as dinâmicas que deseja. É claro que ainda fica bastante por fazer para o instrumentista dado que é absolutamente impossível escrever tudo, fica assim para ele a interpretação sobre não aquilo que ele acha mas antes sobre aquilo que o compositor desejaria.

Assim esta palavra - Exacta - seria uma excelente designação para este tipo de música porque apenas existe uma forma correcta de interpretar cada composição e essa foi o compositor que nos forneceu.

Assim em termos de definição podemos dizer que música clássica (ou música "exacta") é qualquer uma em que o compositor nos indica de forma explicita e exacta como deve ser interpretada a sua música - o que se segue é uma adição ao que Bernstein disse - e em que o interprete para além do explicitamente mencionado se pode igualmente basear num conjunto de regras implícitas que podem ser derivadas das regras de composição do período ou do hábito ou vontade manifesto da sua quebra.

O problema - e aqui retomamos Bernstein - é que se Exacta é uma palavra certa, Clássica não é. Música Clássica refere-se a um período especifico no tempo marcado pelos compositores Haydn, Mozart e Beethoven e não ao conjunto de tudo o que normalmente associamos a música clássica. Já falamos aqui de vários compositores do período Barroco e começamos também a falar de alguns do período romântico. A bem da verdade também já vos explicamos aqui porque razão iríamos continuar a utilizar esta designação embora errada.

O período clássico propriamente dito é marcado pela fundamental importância da forma perfeita, o escrupuloso respeito pelas regras que levaria à perfeição. Enquadra-se num período especifico da história Europeia em que esta tendência se manifestava em todas as formas de arte e a bem dizer na própria sociedade.

Poderíamos é verdade utilizar a palavra Erudita, mas isso estão a ver que iria contra os fundamentos deste blog. Nós queremos exactamente provar-vos que não é necessário erudição para gostar de música clássica, ou exacta se preferirem, mas aviso-vos que esta é uma palavra que nitidamente não pegou :-).

Entretanto como viram no comentário, o nosso leitor João (e este bocado de texto foi adicionado à posteriori do mesmo), a quem agradecemos a nota, disse-nos que não tínhamos definido exactamente o que era música clássica. E tinha razão. Assim para que fique (mais) claro:

Música clássica é toda aquela em que o compositor explicita de forma exacta o que pretende baseando-se num conjunto de regras de composição (ou na sua quebra óbvia e voluntária), regras essas que provêm da prática comum da sua época resultantes de uma evolução ao longo de séculos que nos levou da música renascentista, ao barroco, ao clássico, ao romantismo e depois ao eclodir da miríade de escolas nacionais e ao "individualismo" dos nossos dias.

15 comentários:

  1. Boa tarde Fernando Vasconcelos.
    O texto que desenvolveu sobre Música está muito bem elaborado. No entanto, não responde à pergunta que o fundamenta. Ficou-se pela preocupação do nome "a dar" a este género musical - que não foi o que me levou a ler o seu artigo. Seja clássica, erudita, ou chame-se qualquer outro nome! Qual seria a diferença em si se se chamasse João?
    Pessoalmente, gosto de me divertir com a Música: seja como intérprete, seja como ouvinte.
    Um abraço e parabéns pelo seu blog
    João, estudante de Música

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  2. João,

    Reconheço que tem (quase) razão. Na verdade a ênfase do texto diz respeito às várias razões pelas quais uma série de nomes, cada um deles procurando determinar a característica única da música clássica, estão errados. Note que ao fazê-lo estamos a eliminar todas essas características como distintivas da música exacta. E utilizei agora propositadamente a única designação que suportou a análise: exacta. Assim música clássica é toda aquela em que o compositor explicita de forma exacta o que pretende baseando-se num conjunto de regras de composição (ou na sua quebra óbvia e voluntária). É uma má definição? Talvez ... mas é a melhor que consegui encontrar até agora. Em todo o caso obrigadíssimo pela crítica construtiva que me obrigou a tornar esta explicação mais clara (confesso que talvez não fosse evidente no texto).

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  3. blog, tenho-o lido aos poucos nos ultimos dias e está bastante interessante, já está nos favoritos :)
    Mas queria apenas deixar uma questão, eu percebo muito bem que a definição daquilo que é designado como música clássica seja algo tremendamente complicado, mas Música Exacta tambem não me parece a melhor definição... pessoalmente, para mim isso é irrelevante, a minha definição da Música no geral é bastante simples "são 12 notas", e não distingo uma composição de música clássica duma composição de black metal dum modo qualitativo. cada música, cada género tem o seu tempo, a sua função e o seu objectivo.
    Mas música exacta tambem não me parece a melhor definição, e dou muito claramente o meu exemplo. Eu gosto bastante de blues e metal, são os géneros que mais me dizem, e as coisas que faço escrevo-as em pautas. E não são nenhuma tentativa de fazer música "clássica". Como eu, há bastante mais gente que faz o mesmo, em várias formas musicais. Segundo essa definiçao nós fariamos música clássica, algo que está completamente fora da verdade. porque embora eu não distinga a música clássica do resto, a verdade é que mesmo inconcientemente essa distinção existe na vox pop.

    Peço desculpa pelo reparo :)

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  4. Estava a ler este post...
    Falar do que "é" a música é complicado... não creio que ela se possa definir mas sim opinar (na base da proposta). Bernstein, muito pedagogicamente, foge a alguns pontos fulcrais na sua definição. Creio (a título pessoal) que o rótulo "clássica tem um pendor depreciativo... não sei bem porquê mas fico com a sensação de que é utilizado para distinguir esta música "séria" de outras "músicas". Seria, pois, interessante ver a origem do termo "clássico" e a sua evolução, quando aplicado à música.

    Espero vir a contribuir no Atrium Musicologicum (em português)para um melhor entendimento desta ideia d'"o que é a música".

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  5. Olá Fernando, como vai?
    Podemos conceber as estruturas da música clássica e seus mecanismos, porém para compreendermos os seus sentidos internos, é preciso que sintamos os nossos próprios sentidos.

    Parabéns pelo belo trabalho.
    Abraços,
    Nirma Regina

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  6. Meu amigo....

    Muitas bobagens em relação a definição de Música clássica estão
    e são escritas.
    M.C. é toda Música ESCRITA de origem Europeu e toda música que pode ser relacionada com estas origens.
    Erudita , Musica-Arte, Música exata'...não são termos adecuados para substituir ou explicar o já
    errado "Música clássica".


    Se você quiser discutir minha definição, com muito prazer.

    atte. Carlos

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  7. Caro Carlos: Adoraria conversar consigo porém não tenho qualquer tipo de contacto. Quanto à sua definição lamento mas não concordo sobretudo porque embora seja verdade que a origem da música clássica é europeia existem muitas outras formas de música também europeias que não são música clássica e que têm igualmente tradições escritas. Além disso é também discutível se a condição de ser "escrita" é por si diferenciadora ... porque se o for apenas o poderá ser por uma razão e essa leva directamente à designação de "Exacta".

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  8. Meu caro Fernando:

    Qual é o género de música Europeia escrita que NãO é "Clássica"???

    favor ir ao seguinte link:
    http://www.artsjournal.com/sandow/2010/05/defining_classical_music_--_a.html

    Tem 2 comentários meus(de Carlos Fischer)-em Inglés- Favor leia-os.

    meu e-mail é carlosfischer2920@yahoo.com

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  9. Outro comentário:

    "Assim esta palavra - Exacta - seria uma excelente designação para este tipo de música porque apenas existe uma forma correcta de interpretar cada composição e essa foi o compositor que nos forneceu."

    Isto não é verdadeiro....existem muitas interpretações que poderiam ser "CORRETAS".....

    O fato de que seja escrita não significa que seja "EXATA".

    atte. Carlos

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  10. Meu caro Fernando....

    Uma das caracteristicas mais fortes da M.C. é sua tradição escrita(Seja na sua composição como na sua transmissão). Na realidade , contrariamente ao que você diz , esta caracteristica é absolutamente diferenciadora.Não existe M.C. que não seja escrita ; o registro da música na Europa confunde-se com o nascimento da M.C. Outro género musical Europeu com tradição escrita como a da M.C.não existe.

    Atte. Carlos

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  11. Caro Carlos: Quero em primeiro lugar agradecer a sua contribuição e ter-me enviado o link para o artigo. É na verdade um artigo muito interessante tal como muitos dos comentários ao referido artigo são extraordinariamente relevantes incluindo claro está o seu. Tenho o espírito suficientemente aberto para reconhecer que tem razão em dizer que a música clássica é uma música de tradição escrita (não existe música clássica que não o seja - existem as excepções que refere mas aí eu também partilho a 100% as suas dúvidas). Reconheço igualmente que a se trata de uma música "Europeia" ou pelo menos "Ocidental" ou "Ocidentalizada" do ponto de vista cultural. Concordo em absoluto que os compositores norte-americanos e sul-americanos desse ponto de vista partilham essa raiz embora tenham incluído na sua música elementos culturais próprios dos respectivos continentes ou mesmo de outros (África por exemplo). Onde discordamos então? É que para mim esta definição abre a porta a outros géneros também ocidentais e também escritos que para mim não se incluem na categoria. Estou a falar dos géneros musicais aparecidos no Ocidente depois de 1950 tais como o Rock & Roll, ... que também têm uma tradição escrita. Dir-me-á que é uma tradição menos relevante nesse caso e que acontece possivelmente por outras razões. E é isso que questiono. Porque razão o "ser escrito" é tão relevante? - Porque já o estabelecemos - é extraordinariamente relevante. Para mim é relevante da mesma maneira que é relevante na literatura. São aquelas notas e não outras, são aquelas palavras e não outras que devem ser tocadas. Naquele ritmo e não outro. Daí a noção de "exacta". Eu sei que deve existir espaço para a interpretação e admito que o paragrafo que escrevi sobre uma interpretação "única" está errado (fui na verdade longe demais), mas no entanto o lugar para a interpretação está ele próprio enquadrado e limitado pelo que está escrito (as cadenzas foram durante muito tempo uma excepção tal como no período barroco havia por vezes partes não escritas mas podemos atribuir esses episódios à evolução). Não quero deixar de lhe agradecer estes contributos para o enriquecimento do nosso blog. Uma coisa é certa a definição que tinha vai mudar graças a eles.

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  12. Meu caro Fernando:

    Quero deixar em claro minha posição quanto a definicao de Música Classica.
    Para quem gosta de M.C.(como nós) a importancia de que a M.C. seja bem definida é fundamental para sua adecuada compreensão e sobrevivência.
    Atualmente se diz que a M.C. está em crise mas, sem querer entrar agora nessa discussão , se existe uma crise real é tambén por que a M.C. é mal percebida e compreendida pelo público em geral.

    O Blog de Greg Sandow , no qual eu participei com alguns comentários , mostra tambén uma definição com a cual NãO concordo pelas seguintes razões:

    1.- Não menciona a origem Européia da M.C. Dizer que é musica da cultura occidental não é - num contexto de definição- muito preciso.

    2.- Improvisação tem sido parte de muitos géneros musicais - assim como tem sido e é parte de algumas peças do repertório da M.C.dos dias atuais.Este fato não diminui a sua caracteristica tão forte de que a M.C.é uma música escrita em detalhe antes de ser "tocada". Afinal de contas uma xícara de café com ou sem açucar ou adoçante é ainda uma xícara de café.Por tanto é absolutamente desnecesário mencionar a improvisação neste contexto.

    Por todo isto , acho que a peça de Stockhausen "Aus dem sieben tangen" não deveria ser classificada como M.C. pois não existe uma tradição histórica de música quase totalmente "improvisada"...teriamos açucar com café...

    Então, voltando à nossa "discussão",
    as caracteristicas de ser de origem Europeu e escrita são inseparáveis na definição. Por tanto não abre porta a nenhum outro género como o Rock and Roll , Jazz ; Salsa , etc. Em vista de que estes tem origem nos E.U.A. e Caribe(Cuba) respectivamente. E , tambén , não tem a tradição histórica de escrita como a M.C.

    Deve ficar claro tambén , que a M.C. do continente americano:
    de Villa-Lobos(quase tudo),Cage(não tudo),Piazzolla(não tudo), Gershwin(tambén não tudo); Higdon ,Corigliano...etc. é "Clássica"
    por que eles tem seguido as tradições históricas
    Européias de "fazer" música. Bartok , Albéniz ,Dvorak e tantos outros europeus usaram e abusaram da música Folclórica para compor M.C. Isto faz parte da tradição tambén.

    Abraços e feliz ano novo para você e sua familia.

    Carlos.

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  13. Meu caro Fernando:

    As Caracteristicas "de origem Europeu' e "escrita" são inseparáveis na minha definição. Rock and roll tem origem nos E.U.A....

    Abraços e feliz ano novo...

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  14. Boa tarde. Estou auxiliando na divulgação de um espaço na cidade de São Paulo que vem realizando uma série de concertos intimistas, a um preço bem acessível, possibilitando a todos os tipos de público o contato com a música erudita.

    As informações completas sobre o projeto podem ser acessadas através do link: http://musicanocasarao.blogspot.com.br/ Lá consta também a agenda com os próximos concertos. Será que poderíamos contar com vocês para divulgar o projeto?

    No aguardo!
    Obrigada pela atenção..

    Juliana Onofri

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  15. Caro Anónimo,

    Pois claro que podem contar com este blog para a sua divulgação. Como já disse por várias vezes é para mim um prazer divulgar quem proporciona momentos de música "ao vivo". Gosto de gravações mas como costumo dizer ao vivo é outra coisa. Desta forma está prometido um post sobre o projecto.

    Fernando Vasconcelos

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