Cena do bailado final - Um Americano em Paris |
Bom esta semana supostamente deveria ter ido por 5 vezes à Cinemateca por causa deste ciclo. Acabei por ir apenas uma, que semana mais desgraçada. Porém na única vez que pude ir tive a sorte de coincidir com o filme Um Americano em Paris com música de Gershwin. Desculpa mana as baldas consecutivas :-)
A obra que dá nome ao filme, filme esse que aliás termina com um soberbo bailado de 17 minutos numa soberba interpretação desse poema sinfónico, foi composta em 1928. A obra foi uma encomenda da Filarmónica de Nova Iorque tendo sido estreada a 13 de Dezembro de 1928 no Carnegie Hall.
A peça tem uma história curiosa e pode de certa forma ser vista como auto-biográfica dado que a sua inspiração de base provém de uma outra pequena peça de 1926 - Trés Parisienne - escrita quando Gershwin esteve em Paris pela primeira vez.
Em 1928 viaja de novo para Paris inicialmente para estudar com Nadia Boulanger visita essa que se revelou infrutífera dado que Boulanger desde logo afirmou nada ter a ensinar a Gershwin. Curiosamente Gershwin tinha ido a Paris com a recomendação de um outro compositor francês - Ravel, que tinha conhecido quando este fez a sua tournée nos Estados Unidos. Há várias histórias que circulam sobre esse encontro e o que esses dois grandes compositores se terão dito mas pode muito bem ser que essas histórias não passem de lendas urbanas.
Facto é que se conheceram e que Ravel escreveu uma carta de recomendação a Gershwin para o tal encontro com Boulanger. Facto também é que tanto a primeira visita como a segunda inspiraram Gershwin a compor uma obra que nas suas palavras:
"My purpose here is to portray the impressions of an American visitor in Paris as he strolls about the city, listens to the various street noises, and absorbs the French atmosphere."
"O meu objectivo é retratar as impressões de um visitante americano em Paris à medida que ele passeia pela cidade, ouve os vários sons das ruas e absorve a atmosfera francesa"
A influência dessa atmosfera francesa na música de Gershwin é notória pela utilização de técnicas de composição próximas de Debussy - impressionistas nas palavras de Gershwin que eventualmente Debussy não gostaria.
Como poema sinfónico é obviamente programático embora como muitos compositores Gershwin não gostasse particularmente de uma associação demasiado próxima a uma qualquer descrição narrativa textual, isto não obstante não se ter oposto a que no programa de sala da estreia essa mesma descrição fosse bastante detalhada. Há histórias muito engraçadas da parte da composição feita em Paris que envolvem selecção de buzinas de táxi por exemplo que vos convidamos a ler nesta excelente análise. Uma parte considerável da mesma preocupasse especificamente com a versão para dois pianos (nunca publicada em vida por Gerswin e que eu não sabia que existia sequer) mas a introdução e o contexto são excelentes com um insight muito profundo da obra.
Para quem deseje uma visão mais sumária dir-vos-ei que a obra se organiza numa forma ABA´ também tipicamente debussiana passe a expressão dividida em sete cenas:
Primeira Parte (A)
1. Walking along the Champs Elysées with honking taxis (a tal parte em que supostamente Gershwin fez uma selecção de várias buzinas de táxis - da próxima vez que fizerem piadas sobre a cultura dos taxistas lembrem-se desta !)
2. Passing a church
3. Episodes on the Left Bank
Segunda Parte (B)
4. The blues
5. Meeting with a friend
6. Second fit of blues
Terceira Parte (A´)
7. Do as Parisians do
Existem quatro temas principais e dois sub-temas cada um dos quais é utilizado apenas numa das partes com a excepção da terceira e ultima parte que não contém nenhum novo tema. Aliás essa foi uma das criticas mais acesas à obra - a sua aparente descontinuidade e desconexão. Mesmo Bernstein grande fã da obra dizia que esta obra tinha coisas absolutamente fantásticas (as várias melodias ou temas) mas depois longos interavalos de transição sem verdadeiro desenvolvimento. É discutível embora seja claro que não existe ligação entre os temas nem tão pouco técnicas convencionais de desenvolvimento o que aliás levou alguns críticos da época a discutir a pertinência da estreia da obra em programas com Cesar Franck e Wagner.
Os temas são apresentados nas secções 1, 2 , 5 e 6 . Nas secções 3 e 4 temos o que podemos chamar sub-temas (ou seja temas um pouco menos desenvolvidos). A ultima parte (razão pela qual se chama A´) recupera material das três primeiras partes.
Terminando com música penso que agora poderão apreciar esta composição de forma um pouco diferente.