sexta-feira, 24 de junho de 2011

Entartete Musik: Daniel Barenboim KBE

É um reconhecimento justíssimo pelo papel que Daniel Barenboim tem desempenhado.

Entartete Musik: Daniel Barenboim KBE

Para quem não lia o meu blog em Janeiro de 2009 e perdeu este post (shame on you) aqui fica a transcrição de um fabuloso discurso de aceitação do prémio da fundação Wolf em pleno Knesset (parlamento do estado de Israel)

I would like to express my deep gratitude to the Wolf Foundation for the great honor that is being bestowed upon me today. This recognition is for me not only an honor, but also a source of inspiration for additional creative activity.

Queria exprimir a minha profunda gratidão à Fundação Wolf pela grande honra que me concedeu hoje. Este reconhecimento não é para mim apenas uma honra, mas também uma fonte de inspiração para aumentar a minha actividade criativa.

It was in 1952, four years after the Declaration of Israel’s Independence, that I, as a 10-year-old boy, came to Israel with my parents from Argentina.

Foi em 1952, quatro anos após a declaração de indepência de Israel que eu, então com 10 anos vim para Israel com os meus pais vindo da Argentina.

The Declaration of Independence was a source of inspiration to believe in ideals that transformed us from Jews to Israelis. This remarkable document expressed the commitment (I quote): “The state of Israel will devote itself to the development of this country for the benefit of all its people; It will be founded on the principles of freedom, justice and peace, guided by the visions of the prophets of Israel; It will grant full equal, social and political rights to all its citizens regardless of differences of religious faith, race or sex; It will ensure freedom of religion, conscience, language, education and culture” (end of quote).

A Declaração de Independencia foi uma fonte de inspiração para acreditar em ideais que nos transformaram a nós Judeus em Israelistas. Este documento notável exprimia o compromisso e passo a citar a constituição de Israel : " O Estado de Israel consagrará o desenvolvimento deste país para o benefício de todo o seu povo; será fundado nos princípios da liberdade, justiça e paz, guiado pelas visões dos profetas de Israel; Garantirá direitos iguais, sociais e políticos a todos os cidadãos sem prejuízo das diferenças de fé, raça ou sexo; Garantirá liberdade de religião, consciência, linguagem educação e cultura". Fim de citação

The founding fathers of the State of Israel who signed the Declaration also committed themselves and us (and I quote): “To pursue peace and good relations with all neighboring states and people” (end of quote).

Os fundadores do estado de Israel que assinaram a declaração também se comprometeram (e a nós também) e volto a citar "Prosseguir a paz e boas relações com todos os estados vizinhos e povos", fim de citação.

I am asking today with deep sorrow: Can we, despite all our achievements, ignore the intolerable gap between what the Declaration of Independence promised and what was fulfilled, the gap between the idea and the realities of Israel?

Pergunto-vos hoje, profundamente triste: Podemos nós, não obstante tudo o que de bom realizamos, ignorar o fosso existente entre o que esta declaração de independência prometia e o que foi realizado, o fosso entre a ideia e a realidade do estado de Israel ?

Does the condition of occupation and domination over another people fit the Declaration of Independence? Is there any sense in the independence of one at the expense of the fundamental rights of the other?

Será que a condição de ocupação e domínio sobre um outro povo está de acordo com a declaração de independência ? Existe algum sentido para a independência de um à custa dos direitos fundamentais do outro?

Can the Jewish people whose history is a record of continued suffering and relentless persecution, allow themselves to be indifferent to the rights and suffering of a neighboring people?

Pode o povo Judeu cuja história é um registo continuo de sofrimento e permanente perseguição permitir-se ser indiferente aos direitos e sofrimento de um povo vizinho?

Can the State of Israel allow itself an unrealistic dream of an ideological end to the conflict instead of pursuing a pragmatic, humanitarian one based on social justice?

Pode o Estado de Israel permitir-se um sonho irrealista de um fim ideológico para o conflito em vez de perseguir um fim pragmático baseado na humanidade e justiça social?

I believe that, despite all the objective and subjective difficulties, the future of Israel and its position in the family of enlightened nations will depend on our ability to realize the promise of the founding fathers as they canonized it in the Declaration of Independence.

Acredito que, apesar de todas as dificuldades objectivas e subjectivas, o futuro de Israel e a sua posição na família de nações desenvolvidas dependerá na nossa capacidade de realizar a promessa dos nossos pais fundadores tal como estão canonizadas na Declaração de Independência.

I have always believed that there is no military solution to the Jewish-Arab conflict, neither from a moral nor a strategic one, and since a solution is therefore inevitable I ask myself: Why wait? It is for this very reason that I founded with my late friend Edward Said a workshop for young musicians from all the countries of the Middle East—Jews and Arabs.

Sempre acreditei que não existe solução militar para o conflito israelo-arabe, nem do ponto de vista moral nem do ponto de vista estratégico e como uma solução é inevitável pergunto-me: Porquê esperar? É por essa razão que fundei com o meu falecido amigo Edward Said um workshop para jovens músicos de todos os países do Médio-Oriente - Judeus e Árabes.

Despite the fact that, as an art, music cannot compromise its principles, and politics, on the other hand, is the art of compromise, when politics transcends the limits of the present existence and ascends to the higher sphere of the possible, it can be joined there by music. Music is the art of the imaginary par excellence, an art free of all limits imposed by words, an art that touches the depth of human existence, an art of sounds that crosses all borders. As such, music can take the feelings and imagination of Israelis and Palestinians to new unimaginable spheres.

Apesar do facto de, enquanto arte, a música não possa comprometer os seus princípios e a politica por outro lado ser a arte do compromisso, é também verdade que noutro ponto de vista quando a politica transcende os limites da existência presente e ascende à mais alta esfera do possível, pode aí ter a companhia da música. A música é a arte do imaginário por excelência, uma arte liberta dos limites impostos por palavras, uma arte que toca a profundidade da existência humana, uma arte que atravessa todas as fronteiras. Como tal a música pode levar os sentimentos dos Israelitas e Palestinianos a novas e inimagináveis esferas.

I have therefore decided to donate the monies of the prize to music education projects in Israel and in Ramallah.

Decidi assim doar o montante deste prémio para a realização de projectos de educação musical em Israel e em Ramallah.



Ler mais: http://guiadamusicaclassica.blogspot.com/2009/01/daniel-barenboim-msica-israel-e-paz.html#ixzz1QCwgGrLc
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Prokofiev (1891-1953) : Quarta Parte - A Arte do Medo

O "subtítulo" deste post é o mesmo que Alex Ross utiliza no seu livro "The Rest is Noise" quando fala da música na União Soviética nos tempos de Stalin. É obviamente uma leitura que recomendo e embora neste post se abordem aspectos não contidos nesse livro algumas das coisas que vos vamos contar são retiradas da referida obra. Por outro lado em toda esta série de posts sobre Prokofiev utilizamos como referência principal o site Prokofiev.org que tem uma biografia extensa e bem organizada do compositor (além de muita outra informação complementar pelo que se recomenda a visita ao dito site, claro).

É importante pois considerar que o retorno de Prokofiev à Rússia coincide praticamente com a chegada ao poder do ditador Stalin, ditador esse que influenciaria pelo medo toda uma geração de compositores russos. Nessa Russia Prokofiev coabitaria com Schostakovich com quem nunca se deu bem excepto possivelmente nos últimos meses de vida quando aparentemente chegaram a um entendimento mutuo. Schostakovich que como é sabido mais do que qualquer outro sentiu esse medo não porque tenha ousado desafiar o sistema (discutível este ponto mas é o que acho) mas porque esse pavor está documentado não só nas suas obras mas também em algumas frases do compositor ...

Prokofiev não se estabeleceu de imediato em Moscovo, nos primeiros anos fazia uma espécie de vai-vem entre Paris e a capital russa tendo de imediato recebido algumas encomendas do estado soviético. Estas primeiras obras sofreram a praxe imposta a todos os compositores que desejavam entrar no "Realismo Socialista". Demasiado Sofisticado, Demasiado Simples, Não suficientemente realista, Mortos não dançam (dito a respeito de Romeu e Julieta)  ... Porém contrariamente a Schostakovich que procurava despachar os compromissos "oficiais" o mais rapidamente possível, Prokofiev esmerava-se em cada desafio proposto.

Entre os seus primeiros sucessos enquanto compositor Soviético encontram-se o seu Segundo Concerto para Violino escrito para Robert Soetens mas que ganhou fama quando passou a fazer parte do reportório de Heifetz (é de Heifetz a interpretação que sugerimos no link). Se preferirem ouvir a estreia em Londres em 1936 precisamente por Robert Soentens podem ouvir aqui uma gravação da BBC.

Porém o primeiro sucesso esmagador de Prokofiev e que lhe valeu o seu primeiro prémio Stalin foi a Banda Sonora do filme Alexander Nevsky (também adaptado a Cantata - alíás esta é uma caracteristica de Prokofiev  maioria dos seus trabalhos para Ballet ou filme existem em outras formas, suites sinfónicas, cantatas, ... ). Podem ver e ouvir uma versão completa deste filme (em Italiano) aqui ... a música e os coros esses estão na língua original não se preocupem. Vale a pena verem esta obra prima de Eisenstein ... A este sucesso seguiram-se vários outros nesta área e também no teatro.

Entretanto tinha passado mais ou menos desapercebido aquela que é hoje uma das obras de Prokofiev mais vezes interpretada: Pedro e o Lobo (1936) uma encomenda especialmente destinada a crianças.

No entanto neste final de década Prokofiev já se tinha apercebido das consequências de ter aceite voltar à União Soviética. A garantia de encomendas e de rendimentos tinham um preço e esse preço era a submissão. Em particular com a aliança táctica da União Soviética à Alemanha Nazi as relações entre a nação soviética e a França, Reino Unido e Estados Unidos deixaram de ser necessárias, pior do que isso passaram a ser um problema. Desta forma a liberdade que Prokofiev gozava para se deslocar ao Ocidente enquanto embaixador da música Soviética foi bruscamente terminado.

Estes problemas implicaram o cancelamento e alteração de uma obra Semyon Kotko que representava os alemães numa luz pouco favorável e respectivo assassinato pelo poder do produtor e amigo de Prokofiev Vsevolod Meyerhold. O preço a pagar poderia ainda tornar-se mais elevado dada a origem Espanhola da mulher de Prokofiev e a desconfiança doentia que Stalin tinha dos estrangeiros ... Aliás esta ópera mesmo depois das alterações a que foi submetida foi rapidamente proibida só tendo sido politicamente reabilitada em ... 1970!

Apesar de tudo (ou se calhar por causa disso tudo)   Prokofiev continuava a compor tendo em 1939 terminado nada menos do que a já referida ópera, três sonatas para piano e a Sonata para Violino e Piano nº1 em Fá Menor. (a interpretação que proponho é de Oistrak e Richter, seria difícil melhor ... ) Aproximava-se no entanto o tempo da Guerra e isso é assunto para o próximo episódio ...

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