domingo, 11 de janeiro de 2009

Daniel Barenboim, a Música, Israel e a Paz

No passado Domingo a Directora Musical da Orquestra "Os Violinhos" na qual o meu filho toca chamou-nos a atenção para Daniel Barenboim e a sua posição no conflito existente no Médio Oriente entre alguns de Israel e alguns da Palestina e utilizo propositadamente esta expressão porque me recuso a aceitar a representatividade de quem escolhe de parte e outra a violência como resposta aos seus problemas.

Filipa Poejo disse-nos que Daniel Barenboim tinha citado a constituição do Estado de Israel na aceitação de um prémio à frente do Knesset (o parlamento israelita). Porque a guerra não para, porque ontem houve em Lisboa uma manifestação de apoio a Israel e uma outra a favor da Palestina em Faro , porque continuam a morrer inocentes em ambos os lados do conflito de alguns, crianças incluídas, vitimas que demasiado facilmente apelidamos de "efeitos colaterais", acho que é oportuno contemplarmos por um momento esse mesmo discurso que traduzi do Inglês.

A paz é sempre o caminho certo diz Barenboim "Israel tem de ter a coragem de não responder, de sempre escolher o caminho da paz". Este post é simultâneamente a favor do Estado de Israel e do Estado da Palestina e a favor dos seus verdadeiros representantes: Os que defendem a paz e a convivência. Os outros podem servir muitos interesses, politicamente muito válidos (ironia claro), mas esses interesses não serão certamente os dos povos de Israel e da Palestina.

Daniel Barenboim tem neste momento um passaporte Argentino, um passaporte Israelita (desde os 15 anos), um passaporte Espanhol (desde um famoso concerto em Ramallah) e desde 2008 um passaporte palestino também.

Coloquei também a versão em Inglês caso queiram ler o original (recomendo que leiam este artigo onde está incluído o discurso para compreenderem a profundidade da acção de Barenboim).

Sei que provavelmente me acusarão como acusaram Barenboim de idealismo, de ser "apenas" um músico (no caso dele, um ignorante no meu), de estar de fora do problema, de não perceber rigorosamente nada de geo-politica ou da dificuldade de sobrevivência de um Estado, das necessidades de "auto-defesa preventiva" ou outro qualquer conceito igualmente complexo. Não me importa isso. Uma coisa eu sei, raramente (ou nunca) a coragem é responder a uma bofetada com uma violenta tareia sobretudo se a podemos facilmente dar. E pronto aqui fica o discurso para vossa inspiração.

I would like to express my deep gratitude to the Wolf Foundation for the great honor that is being bestowed upon me today. This recognition is for me not only an honor, but also a source of inspiration for additional creative activity.

Queria exprimir a minha profunda gratidão à Fundação Wolf pela grande honra que me concedeu hoje. Este reconhecimento não é para mim apenas uma honra, mas também uma fonte de inspiração para aumentar a minha actividade criativa.

It was in 1952, four years after the Declaration of Israel’s Independence, that I, as a 10-year-old boy, came to Israel with my parents from Argentina.

Foi em 1952, quatro anos após a declaração de indepência de Israel que eu, então com 10 anos vim para Israel com os meus pais vindo da Argentina.

The Declaration of Independence was a source of inspiration to believe in ideals that transformed us from Jews to Israelis. This remarkable document expressed the commitment (I quote): “The state of Israel will devote itself to the development of this country for the benefit of all its people; It will be founded on the principles of freedom, justice and peace, guided by the visions of the prophets of Israel; It will grant full equal, social and political rights to all its citizens regardless of differences of religious faith, race or sex; It will ensure freedom of religion, conscience, language, education and culture” (end of quote).

A Declaração de Independencia foi uma fonte de inspiração para acreditar em ideais que nos transformaram a nós Judeus em Israelistas. Este documento notável exprimia o compromisso e passo a citar a constituição de Israel : " O Estado de Israel consagrará o desenvolvimento deste país para o benefício de todo o seu povo; será fundado nos princípios da liberdade, justiça e paz, guiado pelas visões dos profetas de Israel; Garantirá direitos iguais, sociais e políticos a todos os cidadãos sem prejuízo das diferenças de fé, raça ou sexo; Garantirá liberdade de religião, consciência, linguagem educação e cultura". Fim de citação

The founding fathers of the State of Israel who signed the Declaration also committed themselves and us (and I quote): “To pursue peace and good relations with all neighboring states and people” (end of quote).

Os fundadores do estado de Israel que assinaram a declaração também se comprometeram (e a nós também) e volto a citar "Prosseguir a paz e boas relações com todos os estados vizinhos e povos", fim de citação.

I am asking today with deep sorrow: Can we, despite all our achievements, ignore the intolerable gap between what the Declaration of Independence promised and what was fulfilled, the gap between the idea and the realities of Israel?

Pergunto-vos hoje, profundamente triste: Podemos nós, não obstante tudo o que de bom realizamos, ignorar o fosso existente entre o que esta declaração de independência prometia e o que foi realizado, o fosso entre a ideia e a realidade do estado de Israel ?

Does the condition of occupation and domination over another people fit the Declaration of Independence? Is there any sense in the independence of one at the expense of the fundamental rights of the other?

Será que a condição de ocupação e domínio sobre um outro povo está de acordo com a declaração de independência ? Existe algum sentido para a independência de um à custa dos direitos fundamentais do outro?

Can the Jewish people whose history is a record of continued suffering and relentless persecution, allow themselves to be indifferent to the rights and suffering of a neighboring people?

Pode o povo Judeu cuja história é um registo continuo de sofrimento e permanente perseguição permitir-se ser indiferente aos direitos e sofrimento de um povo vizinho?

Can the State of Israel allow itself an unrealistic dream of an ideological end to the conflict instead of pursuing a pragmatic, humanitarian one based on social justice?

Pode o Estado de Israel permitir-se um sonho irrealista de um fim ideológico para o conflito em vez de perseguir um fim pragmático baseado na humanidade e justiça social?

I believe that, despite all the objective and subjective difficulties, the future of Israel and its position in the family of enlightened nations will depend on our ability to realize the promise of the founding fathers as they canonized it in the Declaration of Independence.

Acredito que, apesar de todas as dificuldades objectivas e subjectivas, o futuro de Israel e a sua posição na família de nações desenvolvidas dependerá na nossa capacidade de realizar a promessa dos nossos pais fundadores tal como estão canonizadas na Declaração de Independência.

I have always believed that there is no military solution to the Jewish-Arab conflict, neither from a moral nor a strategic one, and since a solution is therefore inevitable I ask myself: Why wait? It is for this very reason that I founded with my late friend Edward Said a workshop for young musicians from all the countries of the Middle East—Jews and Arabs.

Sempre acreditei que não existe solução militar para o conflito israelo-arabe, nem do ponto de vista moral nem do ponto de vista estratégico e como uma solução é inevitável pergunto-me: Porquê esperar? É por essa razão que fundei com o meu falecido amigo Edward Said um workshop para jovens músicos de todos os países do Médio-Oriente - Judeus e Árabes.

Despite the fact that, as an art, music cannot compromise its principles, and politics, on the other hand, is the art of compromise, when politics transcends the limits of the present existence and ascends to the higher sphere of the possible, it can be joined there by music. Music is the art of the imaginary par excellence, an art free of all limits imposed by words, an art that touches the depth of human existence, an art of sounds that crosses all borders. As such, music can take the feelings and imagination of Israelis and Palestinians to new unimaginable spheres.

Apesar do facto de, enquanto arte, a música não possa comprometer os seus princípios e a politica por outro lado ser a arte do compromisso, é também verdade que noutro ponto de vista quando a politica transcende os limites da existência presente e ascende à mais alta esfera do possível, pode aí ter a companhia da música. A música é a arte do imaginário por excelência, uma arte liberta dos limites impostos por palavras, uma arte que toca a profundidade da existência humana, uma arte que atravessa todas as fronteiras. Como tal a música pode levar os sentimentos dos Israelitas e Palestinianos a novas e inimagináveis esferas.

I have therefore decided to donate the monies of the prize to music education projects in Israel and in Ramallah.

Decidi assim doar o montante deste prémio para a realização de projectos de educação musical em Israel e em Ramallah.

Thank you.

Muito obrigado.

Há muito mais a dizer sobre as actividades de Barenboim neste conflito e em geral da sua luta para que paremos um pouco para pensar nos caminhos estúpidos que por vezes percorremos, sempre com a música como instrumento. Há tanto para dizer que resolvi agora mesmo fazer uma série de posts sobre Barenboim.

4 comentários:

  1. De acordo. Relembro que Barenboim fez o que fez sempre (até ele falecer) em parceria com Edward Said. Eles eram um par oriundo dos dois lados do conflito, mas com a inteligência e o equilibrio para mostrar o bom caminho.

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  2. Caro Fernando
    Gostei muito de ter lido este post aqui, porque
    há dias fiz n' aluaflutua uma referência a Barenboim, Edward Wadie Said e à Orquesta West-Eastern Divan,
    precisamente por achar que é um projecto notável, mas não com esta profundidade.
    :)

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  3. Stalker: Sim aliás Baremboim refere-se à Said no texto do discurso.
    Tinta Azul: Sim eu lembro-me. Foi uma coincidência notável porque no Domingo passado a professora de Violino do meu filho tinha feito precisamente referência a essa mesma orquestra. Penso que neste momento em que se procuram justificar as acções pelos fins como se o caminho para os atingir importasse pouco todas as referências a outros processos para conseguirmos viver em paz uns com os outros são necessários.

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