Também está na lista das 100 obras que recomendo para quem quer começar a ouvir música clássica. Pode parecer estranha esta recomendação mas o Tango de Piazzola incorpora na minha opinião (e na opinião de musicólogos vários elementos de composição que tornaram a sua forma de expressão clássica no sentido da definição que vos procurei dar por exemplo aqui: O que é a música clássica.
Claro que existem diferenças (e ainda bem) mas que não nos devem incomodar. A música de Gershwin por exemplo também foi igualmente polémica mas há outros exemplos mais clássicos se este não vos convencer, Ravel, Stravinsky, Bartok entre outros sofreram problemas semelhantes. Essencialmente todos os que rompem quer por inovação quer por tentativa de fusão de géneros são normalmente vistos como párias de ambos os universos ou pelo menos de um deles, se tiverem sorte.
A música de Piazzola incorpora elementos do Tango original, do Jazz e de música clássica propriamente dita nomeadamente na estruturação e na utilização de formas de composição como contraponto e fuga. Aliás convém referir que a formação clássica de Piazzola é indiscutível tanto com Ginastera em Buenos Aires como depois com Nádia Boulanger em Paris. Aliás Paris foi determinante na consolidação do seu estilo quer pelo incentivo de Nádia Boulanger à sua forma única de expressão quer também porque foi em Paris que exposto ao Jazz mentalmente incorporou algumas das suas características na sua música.
Mas na vasta obra de Piazzola quais são as obras que gostaria que ouvissem? Bem a selecção que vos apresento consta de três obras embora na verdade também pudessem ser consideradas seis por razões que vos explicarei adiante.
Sem qualquer ordem de mérito em primeiro lugar Adios Nonino de 1959. Escrito em homenagem ao seu pai , composto após ter conhecimento do seu falecimento enquanto se encontrava em tournée, Piazolla utiliza um tango que havia composto em 1954 e de que guardou a parte rítmica tendo-lhe justaposto uma melodia que exprime na perfeição a dor de um filho com as suas notas longas e melancólica melodia. Proponho-vos uma excelente interpretação do quinteto do próprio Piazzola.
Em segundo lugar Libertango. Gravado e editado em 1974 em Milão o nome desta obra resulta obviamente da fusão das palavras Liberdade e Tango com o duplo óbvio significado. Gravado em Itália na sequência de um acordo com Aldo Pagani que lhe havia oferecido um contrato de gravação para "todas as obras que compusesse". É uma obra com um ritmo fantástico inebriante mesmo mas que não deixa de ter paradoxalmente (e isso faz parte do seu encanto) uma certa, como dizer nostalgia?
Por fim a ultima obra na verdade são quatro obras que podem ser consideradas independentes. Trata-se do conjunto Estaciones Porteñas composto de 1965 a 1970 e logo cronologicamente anteriores ao Libertango de que vos falei antes. São obras separadas que foram posteriormente juntas por Piazzolla embora o autor tenha continuado a interpretá-las também de forma separada, muito à imagem das quatro estações de Vivaldi. A semelhança no entanto termina aqui porque por um lado não existe outra referência ao trabalho de Vivaldi, ou a que existe é insignificante e pouco relevante e tem mais a ver com a utilização de técnicas de composição do período barroco que de qualquer forma explicita e porque por outro lado Piazzolla sempre recusou qualquer tipo de intenção programática na sua música. Já agora "porteño" refere-se aos habitantes de Buenos Aires logo estas estações podem ser vista como as impressões dos sentimentos despertados pelas estações na capital argentina.
A primeira das quatro editada foi o Verão Porteño composto em 1965 e resultou de uma encomenda para um filme. É discutível se nessa altura o compositor tinha ou não intenção de completar o ciclo embora seja quase certo que se trate de uma ideia posterior até pelo tempo que decorre entre a primeira e a segunda obra e as três restantes. Para ilustrar esta obra escolhi uma interpretação completamente diferente das que vos tenho mostrado fugindo voluntariamente da composição para a qual foi originalmente escrita (o formato preferido de Piazzolla, o quinteto) para vos mostrar que as obras de Piazzolla podem perfeitamente ser interpretadas por formações apenas com cordas ou com cordas e piano. Neste caso é um trio Piano, Violino e Violoncelo, no violino Alissa Margulis (por imposição absurda da EMI neste caso tem de ser visto no You Tube razão pela qual não está aqui directamente incorporado). Podem ver o video aqui.
A segunda estação foi o Outono e data de 1969. Aqui sim é quase certo que Piazzolla já tivesse intenção de completar o ciclo. Alguns estudiosos vêm no inicio desta obra, uma espécie de fuga uma homenagem a Vivaldi. Pessoalmente embora reconheça ter muito menos conhecimento do que esses especialistas parece-me um pouco exagerada a conclusão sobretudo porque em muitas outras obras Piazzolla utiliza técnicas semelhantes e muito possivelmente apesar deste ser um ciclo quase homónimo da obra de Vivaldi penso que se Piazzolla quisesse homenagear alguém seria Bach em primeiro lugar por quem tinha uma profunda admiração. Em termos de interpretação mantemos a escolha anterior pelo que vos sugerimos que vejam o video aqui.
A terceira estação e quarta datam ambas de 1970 primeiro a Primavera (que também contém elementos de contraponto o que pela mesma razão anteriormente apontada é visto como uma homenagem) e por fim o Inverno onde também alguns vêm traços de diálogos instrumentais semelhantes a Vivaldi. Sempre com Alissa Margulis proponho que oiçam a Primavera e o Inverno de Piazzolla.
Poderia facilmente ter escolhido muitas outras obras de Piazzolla por exemplo Vuelvo al sur ou Obvilion só para citar algumas que me vêm à memória assim de repente, obras que aliás agora que estão certamente viciados neste grande compositor argentino vos convido a ouvir, certamente com uma nova atenção.