De vez em quando há alguém que nos inspira verdadeiramente. Ontem tive a sorte de ao escrever o post sobre as pesquisas da semana ter conhecimento da experiência de vida do pianista e maestro João Carlos Martins. Posso dizer-vos que hoje ao fazer a pesquisa para este post a minha vida ficou de súbito tão mais rica. Diz o Maestro que tem orgulho de ser Brasileiro. Acho que sim que deve, mas devem também os brasileiros orgulharem-se de terem um músico de semelhante porte e atitude em relação à vida.
Permitam-me os meus leitores brasileiros dizer-vos que hoje, depois de ouvir o documentário de que falo no fim deste post e de ter ouvido uma boa dezena de vezes o hino brasileiro sou também brasileiro. Parafraseando o poeta Chico Buarque de Holanda numa canção louvando uma revolução das flores por terras lusas, mas parafraseando o poeta dizia que com homens destes o Brasil irá certamente um dia cumprir seu ideal.
João Carlos Martins nasceu em São Paulo em 1940 começou desde muito cedo por se afirmar ao piano. Começou com aulas de piano com Aida de Vuono tendo aos 11 anos iniciado lições com aquele que era considerado à altura um dos melhores professores de piano de São Paulo o Russo radicado no Brasil José Kliass.
Com 18 anos foi convidado a participar no festival Casals tendo sido um dos seleccionados para o recital final em Washington. Com 20 anos estreou-se no Carnegie Hall recebendo na altura criticas extraordinárias que o comparavam a Glenn Gould. Foi aliás João Carlos Martins que estreou o Memorial Glenn Gould em Toronto.
Depois dessa estreia foi a aclamação mundial com concertos com as maiores orquestras do mundo e a gravação do Cravo bem Temperado por exemplo que lhe valeu o epíteto de "maior especialista de Bach". Porém no auge da fama quis o destino que em 1969 num acidente num jogo de futebol lhe causasse uma nevralgia. Com esforço conseguiu ultrapassar esse primeiro obstáculo mas ao longo dos anos acabaria por desenvolver um síndrome de esforço repetido que o voltou a afastar do piano.
Abandonou então a sua carreira mas foi durante o tempo que conseguiu resistir à chamada do piano. Desenvolveu então de novo uma técnica diferente para poder tocar com alguns dos dedos que mantinham a destreza. Porém em 1995 na Bulgária ao sair de um ensaio ao ser assaltado uma pancada na cabeça e no braço deixa o lado direito inutilizado.
Mais terapia e de novo consegue voltar a tocar agora apenas com a mão esquerda aprendendo então o reportório para mão esquerda. Porém infelizmente de novo uma nova operação acaba por tornar completamente impossível tocar piano. O pianista resolve então dedicar-se à regência de orquestra tendo criado vários projectos de divulgação musical entre as quais a Orquestra Jovem Bachiana e o projecto Toca Atitude.
Pelo meio ainda teve tempo de ser Treinador e Manager de boxe e criar uma empresa de construção civil e ser acusado (e ilibado) de irregularidades financeiras.
Não consigo contar número de vezes que recomeçou a sua vida e sobretudo sempre para dar a a volta por cima. As sua actual actividade artística com a Filarmonica Bachiana já o levou de novo ao Carneggie Hall onde se tinha estreado há tantos anos.
A sua actividade na divulgação da música clássica tem paralelo em homens como Bernstein ou Barenboim e isso torna-o imediatamente um dos inspiradores futuros e presentes deste blog. Para terem uma ideia mais precisa da vida deste grande músico convido-vos a ver o documentário várias vezes premiado.
Podemos também recomendar o livro A Saga das Mãos para quem queira saber mais.
Podem também assistir aqui à cena final da novela onde o Maestro faz um resumo da sua vida nos depoimentos que quem segue a novela já conhece (além de dirigir a orquesta nesse final empolgante). Ah e sim o final não poderia ser mais adequado porque não só a música de Beethoven é uma mensagem de esperança renovada mas porque também ele Beethoven teve de superar a surdez para continuar a compor. Aliás quando Beethoven compõe esta nona sinfonia já está praticamente surdo.