sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Sergiu Celibidache (1912-1996)

Não foi de todo propositado mas Sergiu Celibidache constitui um óptimo contraponto (desculpem o jogo de palavras) com os posts sobre Glenn Gould. Vão perceber porquê dentro de momentos.

Celibidache nasceu em Roman na Roménia a 28 de Junho de 1912.

Começou por ter lições de piano desde bastante novo tendo estudado primeiro em Bucareste e depois em Berlim a partir de 1936 com Walter Gmeindl e Fritz Stein na Hochschule für Musik. A verdade é que para um maestro da sua estatura sabe-se relativamente pouco desses primeiros anos. A ausência do circuito fonográfico normal, a sua propensão para a reclusão poderão ter obviamente ter tido aí um papel fundamental.

Em 1945 beneficiando do facto de uma grande parte dos grandes maestros alemães estarem sobre investigação de acusações de Nazismo torna-se maestro da Filarmónica de Berlim posto que mantém até 1952 até ao regresso de Furtwängler.

Entre 1965 e 1971 torna-se director da Orquestra da Rádio da Suécia, de 1971 a 1977 maestro principal da Stuttgart Radio Symphony (também entre 1973 e 1975 duas épocas na Orquestra Nacional de França) e de 1979 até à sua morte director da Munich Philharmonic.

Contrariamente a Glenn Gould não acreditava na gravação (lá está o contraponto de que vos falava no inicio) porque achava que essa forma era demasiado fria e impessoal. No entanto acabou por aceitar que a gravação simultânea da imagem e do som poderia produzir efeitos interessantes. Porém na verdade nunca deixou de ver essas gravações como produtos secundários da sua actividade enquanto maestro.

Foi apenas depois do seu falecimento que a sua família concordou em que fossem editadas algumas das suas obras. Celibidache era reconhecido pelo tempo de ensaio que pedia as orquestras com que trabalhava, no meticuloso trabalho de preparação que exigia e na originalidade das suas interpretações que transformaram alguns dos seus concertos em momentos verdadeiramente mágicos. Nem sempre isto acontecia claro, porque nas suas interpretações havia sempre um elemento de risco envolvido, de leitura nos extremos.

Vejam a este propósito aqui um extracto de um documentário em que Celibadache ensaia a nona sinfonia de Bruckner. De certa forma Celibidache era um perfeccionista pelo que não admira muito ouvi-lo falar por exemplo de Arturo Michelangeli aqui com grande admiração (aliás Michelangeli também partilhava com Celibidache o antogonismo com a obra gravada razão pela qual também ele é relativamente ignorado face a outros de igual estatura).

Este processo lento de introspecção numa obra era, dizia-se, inspirado da filosofia budista que o acompanhava desde os tempos de Martin Steinke com o qual estudou no inicio da sua aprendizagem.

Celibidache era também conhecido pelos seus tempos extraordinariamente lentos contrastando com momentos em que as suas orquestras pareciam tomadas por uma espiral de velocidade. No conjunto no entanto as suas interpretações eram significativamente mais lentas do que o padrão. A este respeito o maestro afirmava que era profundamente errado julgar uma interpretação pelos tempos ou mesmo pela sua variação em relação ao original.

Para além da sua actividade enquanto maestro Celibidache foi um reputado professor na Universidade de Mainz tendo desenvolvido bastante trabalho teórico sobre música e regência que nunca quis publicar. Vejam aqui (primeira parte) um extracto de um documentário sobre a sua forma de ensinar que me parece bastante interessante (vejam aqui a segunda parte deste extracto)

Celibidache tinha um reportório relativamente vasto mas foi nas obras de Brahms e Bruckner, que conheceu os seus momentos mais memoráveis. A quarta sinfonia de Brahms na sua interpretação é algo de extraordinário. E cabe aqui mais um comentário quanto à originalidade. Precisamente pela sua visão única das obras que dirigia Celibidache é muitas vezes procurado, não pela sua grandeza, mas por ser um outsider, o louco digamos. Se em Beethoven por exemplo isso até se pode justificar, nas obras de Brahms e de Bruckner talvez tenha sido verdadeiramente um iluminado. Oiçam aqui um extracto do primeiro andamento da quarta sinfonia de Brahms.

Praticamente tudo o que existe hoje publicado foi póstumo e recolhido a partir de gravações ao vivo cuja qualidade obviamente varia com a época da gravação. O que existe foi recolhido pela EMI e pela Deutsche Gramophon e ainda bem que assim é porque isso permite-nos conhecer um maestro que pela originalidade e sobretudo profundidade das suas interpretações merece a toda a nossa atenção.

Celibidache foi também compositor tendo escrito 4 sinfonias mas nunca deixou que as suas obras fossem interpretadas em público.

Sergiu Celibidache faleceu em La Neuville-sur-Essonne, perto de Paris a 24 de Agosto de 1996.

1 comentário:

  1. A sua explanação é primorosa.Mesmo para os apaixonados por Celi,-meu caso-,que conhecem de cor todo o assunto do seu escrito, é glorioso lê-lo.Acabo de ouvir a 4a., Romantische, de Bruckner com a Munchner Philharmoniker regida divinamente por Celibidache. Eu tive a felicidade de vê-lo reger, no Municipal de São Paulo (entre outras, a 9a. de Beethoven).Maravilhoso!

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