segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Vida Inteira de Tiago Cabrita

Ás vezes parece-nos que determinados autores determinados artistas esperam o momento certo para nos encontrarem ou reencontrarem. Passam-se anos sem que lhes tenhamos prestado muita atenção (a atenção que mereciam) e de repente no espaço de uns dias tudo parece girar à volta deles.

Estou a dizer-vos isto não por causa da obra musical da qual hoje vos vou falar mas mais por causa do poema e do poeta que estão na origem do libretto. Na verdade Ruy Belo de repente cruzou-se por várias vezes no espaço de dias no espaço da minha atenção. Primeiro precisamente por ser com base num seu poema que António Carlos Cortês escreveu o libretto para a ópera de Tiago Cabrita "A Vida Inteira" depois porque curiosamente na Cinemateca, onde fui ver o filme "In a Lonely Place" comentado por Abílio Hernandez Cardoso se voltou a falar de um outro poema de Ruy Belo a propósito de Boggart e do seu olhar de água, pura água.

Confesso que não pude deixar de fazer um paralelo entre as duas obras não porque sejam tematicamente idênticas mas porque em ambos os casos estamos perante existências a beira de um abismo e que jogam com a ideia da morte. Diz o poema de Ruy Belo


Às vezes sabes sinto-me farto 
por tudo isto ser sempre assim 
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano 
um dia não é que eu pareça lá muito hirto 
entrarás no quarto e chamarás por mim 
e digo-te já que tenho pena de não responder 
de não sair do meu ar vagamente absorto 
farei um esforço parece mas nada a fazer 
hás-de dizer que pareço morto 
que disparate dizias tu que houve um surto 
não sabes de quê não muito perto 
e eu sem nada para te dizer 
um pouco farto não muito hirto 
e vagamente absorto não muito perto
desse tal surto queres tu ver que hei-de estar morto?

Diz  um dos diálogos do filme de Boggart, uma espécie de micro-poema por duas vezes repetido pelo guionista e depois por uma das personagens, o filme dentro do filme um pouco como na vida, um pouco como na nossa vida inteira.

I was born when she kissed me
I died when she left me
I lived a few weeks 
While she loved me

Não sei se conseguirão ver este filme e depois só depois ouvir a obra do Tiago Cabrita. Não sei mesmo se ainda assim como eu farão este paralelo ou um outro. O que vos garanto é que em ambas as obras se sente a mesma intensidade dramática, o voltar ao mesmo ponto numa espécie de ciclo dentro de ciclo, de filme dentro de filme, de música dentro de música e sim ouvi-te Marilyn.

Como diz o outro poeta o Amor é uma doença se nele quisermos ver a nossa cura.




O video que partilho foi filmado no  Teatro Nacional de S.Carlos Março em  2012
Música: Tiago Cabrita
Libreto: António Carlos Cortez, a partir de um poema de Ruy Belo
Encenação: Luís Miguel Cintra
Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por João Paulo Santos
Marco Alves dos Santos (tenor) e Mário Redondo (barítono)

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