domingo, 29 de agosto de 2010

A pirotecnia visual versus o "sentir a música dentro de si" II

Tentei que isto fosse um comentário mas aparentemente há um limite para a dimensão dos mesmos ... arghhhhhhhhhhh.

@Mário: Pois pode, pois pode. E também concordo que as posições do público e do interprete são assimétricas. Mas não deixa de ser engraçado que no tempo dos compositores que admiramos essa não fosse a norma de comportamento e que eles não a esperassem sequer (aliás ficavam preocupados quando uma obra sua era ouvida de principio a fim sem manifestações de júbilo - era sinal que alguma coisa não tinha "passado"). Como também não deixa de ser interessante os caminhos diferentes que seguiram a música instrumental e a ópera desse ponto de vista e as razões históricas que justificam essa diferença comportamental.

Não quero dizer com isto que gostasse de ver as obras interrompidas a meio ou no fim de um andamento para se pedir um encore. Não é isso. Mas por vezes não sei se na defesa da "integridade" da obra ou da interpretação, ou do "conceito" do compositor não nos esquecemos que a música como qualquer forma de arte é feita para ser usufruída. É sempre a sublimação de algo de acordo com regras e técnicas mas se não for feita para ser usufruída não tenho certeza que faça sentido. E é precisamente nesse usufruto que não sei se não exageramos no espartilho de convenções que colocamos à música de que tanto gostamos. Aqui poderia juntar à polémica a razão pela qual creio que a música clássica contemporânea não cumpre este requisito na maioria dos casos mas isso seria ainda abrir ainda mais um desvio, um parênteses. Eu sei que gosto do Vitorino Nemésio pelos seus longos e às vezes poeticamente livres parênteses mas tentemos não abrir demasiadas conversas paralelas a estes nossos limitados neurónios ...

Quer enquanto interprete quer enquanto ouvinte, posições assimétricas concordamos plenamente, sinceramente não sei ... e depois de ler os vários artigos do Alex Ross ainda fiquei mais na dúvida. Pessoalmente penso que o silêncio e a forma actual de ouvir foi uma evolução mas repare por exemplo no concerto de ano novo. Não lhe parece que em alguns concertos se ganharia com um momento de alegria? Não todos claro que nem todas as obras se prestam a isso - um acontecimento desses depois de sei lá - uma das "Paixão" de Bach seria perfeitamente despropositado, mas em alguns casos não seria admissível ou desejável? Não faria com que muito mais pessoas se sentissem próximas da "nossa" música?

Claro que se coloca a questão de quem determinaria os momentos, mas aí para mim é claro que quem "manda" é o maestro ... Sei que divergi mais para o público do que para o interprete porque neste a tendência que tenho observado ultimamente é precisamente no sentido destes utilizarem cada vez mais efeitos pirotécnicos em vez de se preocuparem com a música, uma questão precisamente de marketing porque é este comportamento que é preferido pela esmagadora maioria da audiência ... ou melhor é isso que lhes permite ultrapassar o limite de vendas dos "connaisseurs" e passar para o grande público, pelo menos parece ser essa a opinião dos marketeers de música. Ah e sim também explica porque razão cada vez mais os interpretes são tratados como "sex symbols" de forma mais ou menos velada (ou não ...)

2 comentários:

  1. Caro Fernando,

    Obrigado pela resposta. Estamos de acordo no essencial, com diferenças de gradação...

    Vejamos. Eu ainda frequento (embora raramente) concertos pop/rock, onde vale tudo. Para se fazer ouvir acima da gritaria, a música tem de ser amplificada uns decibéis a mais. Mas é uma festa. A componente visual é tão importante (às vezes mais ) que a própria música, o público é tão importante (às vezes mais) que quem está no palco. Muita gente vai lá para se ouvir a si própria cantar os temas que conhece de cor. E em Vilar de Mouros ou no Rock in Rio, há também outras experiências durante a música que são, digamos, "pouco recomendáveis".

    É outro mundo, valores diferentes, vivências diferentes.

    Se prezamos a diferença e variedade cultural, deixemos as coisas como estão. Num concerto de música clássica, as coisas SÂO diferentes. Não uniformizemos esta riqueza cultural. Um concerto de Bach ou de Mahler com o maestro aos saltos e o público com bravos e aplausos à toa seria uma caricatura.

    Que os jovens fãs do rock e o público menos informado aprendam essa diferença. Não lhes faz mal nenhum, pelo contrário. Como não me fez mal a mim ir a tantos concertos rock quando era novo e a alguns agora, fez parte da minha educação informal.

    Regras e restrições não são coisa má. É por falta delas que muitas vezes indivíduos e sociedades colapsam.

    Perdão pelo tamanho do comentário. Gostei que tivesse lançado este tema.

    Mário

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  2. Pessoalmente, considero essencial sentir que o intérprete está envolvido na obra que executa. No entanto, o exteriorizar desse envolvimento não é ou não pode ser igual em todos os músicos, até porque são pessoas diferentes. Vengerov não seria quem é se não exteriorizasse como o faz a sua paixão; Cecilia Bartoli perderia imenso se não pudesse mostrar em cada um dos nervos do seu rosto a emoção das palavras que canta... Mas essas expressões noutros músicos pareceriam caricaturas. Deixemos que cada intérprete se sinta livre de nos fazer fazer felizes à sua maneira ;)

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