Naquele dia 13 de Julho de 1935 conta-nos a Diapason Richard Strauss escreve a Hitler assegurando o ignóbil ditador da sua "profunda veneração". Tinha acabado de ser despedido do cargo de Director Artístico da Música de Câmara do Reich e nessa carta ajoelhava-se e apelava ao sentido de justiça do ditador.
É verdade que a razão do despedimento esteve directamente ligada à exigência de manter no programa da sua ópera o nome do libretista (judeu) Stefan Weig. É esta atitude dual que é tão difícil de entender em Strauss. Por um lado tem a coragem de resistir e não ceder mas por outro reconhece a autoridade do ditador mesmo quando os seus "pedidos" são inaceitáveis.
Será difícil de entender mas devemos compreender que Richard Strauss na verdade tinha um ego do tamanho do mundo. Não acreditava estar em perigo e pensava genuinamente que salvaria a música alemã. Não dos "perigos" do judaísmo mas eventualmente de si própria. O choque do despedimento é mais a incredulidade perante aquilo que pensava ser impossível do que qualquer outra coisa.
Strauss sempre teve uma atitude ambígua, bivalente porque aceitava mas também criticava e defendia na prática quem era injustamente oprimido ou pior. Terá assim salvo muitos músicos ...
Goebels que interceptou uma carta de Richard Strauss para Stefan Weig achava o músico perigoso. acreditamos que não forçosamente pelas suas ideias resolutas mas mais pelo facto de nada recear. Essa independência que provinha do seu enorme ego era perigosa. Mais perigosa do que uma qualquer militância. E essa carta em que Richard Wagner perguntava se alguém achava que Mozart escreveu conscientemente enquanto "ariano" foi sabiamente utilizada para o afastar.
Richard Strauss não foi corajoso porque a coragem pressupõe a noção do perigo e Strauss julgava estar acima dele, mas é verdade que com família judia tinha muito em risco e por isso talvez não seja justo vê-lo desta forma. Facto é que nunca foi na verdade nazi e que salvou muitos seres humanos de uma morte trágica. Coragem e resolução? Talvez não, essa estava guardada para a sua música.
Um ano mais tarde em 1936 comporia e dirigiria o seu Hino Olímpico que em parte vos mostramos neste vídeo.
Hino Olímpico em Berlim dirigido por Richard Strauss.
Vejo que o Fernando também não está "em paz" com a atitude de Strauss, e Wagner, e se calhar von Karajan, etc., durante o regime nazi.
ResponderEliminarConfesso (já o manifestei várias vezes) que não consigo apreciar esses músicos em pura abstracção, a audição está sempre "envenenada" à partida. Como, de resto, com alguns russos que estiveram bem embebidos no regime soviético. E acabo mesmo por preferir não os frequentar.
Recentemente, sucedeu o mesmo com a atitude de John Cage relativa ao 11 de Setembro em Nova Iorque. Repugna-me.
Gostei muito do post, Fernando. Até por ser mais neutral e objectivo do que eu seria...
É verdade não estou em paz e sim relativamente ao regime soviético há muitos exemplos deste tipo tanto compositores como instrumentistas. Não sei se a coragem é um requisito fundamental para um artista e se a sua ausência deve ser entendida como falta de talento mas é verdade que este (o talento) nos faz esperar o melhor em todas as outras dimensões. Não será justo (justo possivelmente será esperar apenas que não tenham voluntariamente e conscientemente participado em qualquer crime) mas é verdade que à partida há sempre um pequeno pé atrás ...
ResponderEliminarPenso que de um criador genial se deve esperar liberdade de espírito e dignidade suficientes para se não comprometer, antes se demarcar, de regimes monstruosos.
ResponderEliminarNão estou a exigir que sejam democratas ou ecologistas - só que sejam coerentes com a humanidade que respira nas obras que criam.
Se são cúmplices ou fiéis servidores ou indiferentes à monstruosidade, algo de muito doente deve existir também na sua obra. Acho. Mas é muito complexo, bem sei.
Abraço,
Mário