A semana passada como sabem os leitores mais atentos pude ouvir de novo esta sonata interpretada por dois jovens músicos, numa excelente interpretação aliás. Esta obra é uma das minhas preferidas e parece por isso estranho que nunca tenha na verdade falado detalhadamente acerca dela. Hoje é o dia até porque fazendo parte da minha lista das 100 Obras chegamos quase a esse ponto (a Traviatta de Verdi seria primeiro mas hoje apetece-me falar desta belíssima sonata).
Foi composta em 1886 e contrariamente ao que por vezes se diz não foi composta especificamente para Ysaye e muito menos para o seu casamento. É verdade que foi dedicada a esse fabuloso violinista e compositor, é verdade que foi oferecida como presente de casamento e é ainda verdade que a primeira interpretação não pública teve lugar na véspera do casamento de Ysaye. O que se passou na verdade foi que Cesar Franck não tinha um destinatário especifico para a sonata. Foi a pianista Marie Lontine amiga de ambos que sugeriu a dedicatória. O casamento e oferta surgiu quase como por acaso. Este facto está relativamente bem documentado com a carta de resposta de Cesar Franck ao pedido de Lontine (em inglês aqui porque a fonte que consultei para escrever este texto é inglesa)
"You are asking me, dear Madame, to dedicate the sonata to Ysaÿe. I will
do so with great pleasure, not having promised it yet to anybody else,
and I will be very happy to give it under the advocacy of such an artist"
O casamento teve lugar a 26 de Setembro sendo a primeira interpretação publica da Sonata a 16 de Dezembro desse ano em Bruxelas num recital composto exclusivamente com obras de César Franck. Um longo recital - conta a história que a sonata esteve quase para não ser interpretada dado o facto de estar já a faltar a luz natural e os responsáveis do local (Musée Moderne de Peinture) não autorizarem nenhuma forma de iluminação não natural. Os interpretes foram nem mais nem menos que o próprio Ysaye e a pianista Marie Lontine. Ysaye nunca mais deixou de interpretar esta sonata sendo o grande responsável pelo facto da mesma fazer hoje parte do reportório de violino.
Quanto à sonata propriamente dita é claramente típica do período romântico e em particular da escola francesa. Aliás em muitos pontos a obra é uma espécie de resposta cultural franco-belga ao domínio germânico e à humilhante derrota militar de Sadowa em 1871. Fortemente inspirada em Liszt no que diz respeito à forma cíclica os 4 andamentos a sonata começa com um Allegretto ben Moderato totalmente poético com várias mudanças de andamento que contribuem para uma verdadeira montanha russa de sentimentos opostos e que termina num misterioso final. escolhemos para vos mostrar esta obra um representante da escola franco-belga de violino por razões óbvias: Christian Ferras ao violino com Pierre Barbizet no piano.
O segundo andamento (Allegro) é muitas vezes visto como o inicio verdadeiro da obra sendo o primeiro andamento então visto como uma introdução particularmente longa. de certa forma do ponto de vista formal esta análise é reforçada por este andamento ser na verdade uma forma sonata mais convencional - como é usual na forma sonata do período romântico ao invés do primeiro andamento. No que me diz respeito não concordo muito com essa análise dado que a saída de uma forma de sonata tradicional foi explicitamente desenhada por Franck sendo que o primeiro andamento faz muito mais do que apenas "introduzir". Este segundo andamento é absolutamente frenético sem tanta variação de andamento como o primeiro.
Depois do energético segundo andamento o terceiro andamento marcado como recitativo - fantasia é um andamento lento que recupera a forma do concerto barroco e clássico (andamento rápido - lento - rápido). Um repouso merecido e necessário tanto para o executante como para o ouvinte que precisa de fôlego espiritual. Uma espécie de Lied em três partes
Por fim no quarto andamento marcado como um Allegreto poco mosso é uma espécie de Rondo aproveitando material dos anteriores andamentos numa perfeita forma cíclica que dá unidade à obra. Dizemos uma espécie de Rondo porque na verdade é mais uma forma livre do que propriamente um Rondo mas ... É esta forma livre inovadora e cujo único objectivo é exactamente a sensação de unidade e de resolução que transmite que faz desta obra uma das minhas preferidas.
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