sábado, 28 de agosto de 2010

A pirotecnia visual versus o "sentir a música dentro de si"

Há uns dois dias por acaso li uma conversa de uns jovens instrumentistas meus conhecidos (bem pelo menos alguns deles) no Facebook. Estes jovens não sei se todos serão violinistas mas em todo o caso a conversa era (também) baseada em exemplos de violinistas conhecidos.

Debatiam eles sobre a necessidade de exteriorizar ou não a emoção que sentiam ao interpretar e nas formas  a utilizar para essa exteriorização. Estavam todos de acordo que o fundamental era que essa emoção fosse sobretudo audível musicalmente mas divergiam um pouco sobre se sim ou não a exteriorização corporal era importante, relevante ou se antes pelo contrário prejudicava precisamente a componente musical.

Poderá parecer à primeira vista uma conversa pouco relevante já que a primeira coisa que nos ocorre será pensar que pouco importará, cada devendo fazer como entende melhor cabendo ao público a apreciação se gosta ou não do que está a ouvir e a ver.

Porém e antes de vos darmos dois exemplos e de vos deixar a palavra para que exprimam a vossa opinião gostaria de vos dizer que antes pelo contrário: Considero a conversa mesmo muito importante e em grande parte pode estar na base de um dos problemas da música clássica. Porquê ? Porque preocupados com demasiado formalismo, muito rigor e silêncio talvez nos tenhamos esquecido que a música também é sentimento e espontaneidade. Tanto do interprete como do público.

Não quero com isto dizer que devamos passar a fazer dos concertos de música clássica uma espécie de versão bem comportada de um concerto de rock com o público a trautear alegremente as melodias enquanto o concertista alegremente se passa com uns riffs no violino esfregando-se violentamente no solo. Não é isso de todo. A música de que gostamos não necessita disso.

Porém há uns tempos tinha-vos falado deste post do blog do Alex Ross que abordava o tema dos aplausos nos concertos de música clássica e a evolução recente dos costumes nos mesmos - interessante por exemplo a comparação com a ópera. Tinha também na altura relatado o que considerava impossível alguma vez acontecer quando Dudamel esteve na Gulbenkian. Sei que aqui a ênfase está no publico (e também porque nesse caso a orquestra ... ) mas reflictam um pouco sobre o que é realmente sério e o que queremos da nossa música quando interpretada ao vivo: Tanto dos interpretes como do público - aqui fica o desafio.

Para ilustrar deixo-vos com dois exemplos antagónicos mas dentro de uma interpretação ainda assim bastante contida. Primeiro Menuhin e Oistrakh no duplo de Bach, repare-se como a emoção transborda de qualquer forma sem necessidade de grandes artifícios.



Agora um segundo exemplo também de uma dupla com Vengerov e Bashmet na Sinfonia Concertante de Mozart.



Eu sei que o tema é polémico e exista quem não goste nada do Dudamel precisamente por causa deste folclore. Precisamente por ser polémico e por estar quanto a mim no cerne da perda de vitalidade da música de que gostamos é que no âmbito do objectivo inicial deste blog coloco o tema à vossa discussão. Digam de vossa justiça.

5 comentários:

  1. É uma questão interessante e importante, sem dúvida, mas acho que o Fernando divergiu por questões diferentes.
    Na minha opinião, uma coisa é o movimento e expressões faciais do(s) intérprete(s) e se isso ajuda a que a mensagem passe melhor e outra coisa é a participação activa do público e se isso ajuda à fruição de um espectáculo musical, ou, se pelo contrário, prejudica e aqui vem a questão da tradição, educação e costumes.
    Quanto à primeira questão, ela já é muito antiga. Já C.P.E. Bach no seu "Ensaio sobre a Arte de bem tocar um instrumento de tecla" dizia que (tradução minha):
    "Um músico não consegue sensibilizar os outros a não ser que ele também esteja sensibilizado (...) pois a revelação dos seus sentimentos irá estimular sentimentos iguais no ouvinte (...) Aqueles que defendem que tudo isto pode ser alcançado sem gestos irão se retractar quando, devido à sua própria insensibilidade, se virem obrigados a sentar como estátuas perante o seu instrumento.
    Caretas feias são, obviamente, inapropriadas e perigosas; mas expressões adequadas ajudam o ouvinte a compreender o significado.

    Também Stravinsky abordou o assunto (na "Crónica sobre a minha vida") e disse algo como (tradução minha):
    "A visão dos gestos e movimentos das várias partes do corpo que produzem música é fundamentalmente necessária se for agarrada em toda a sua plenitude."

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  2. @Pianoman: Não tenho a mínima duvida que são duas coisas diferentes mas que numa análise das razões que levaram a (eventualmente) um excessivo formalismo pode estar a mesma causa, não lhe parece? Aliás o Alex Ross no artigo que cito também faz essa ligação porque na verdade as coisas não podem deixar de estar um pouco ligadas, sendo claro assuntos diversos. Notem eu não sou a favor de voltar ao tempo de Mozart ou de Beethoven com plateias ruidosas e pedidos de bis de certos andamentos ou mesmo passagens. Tal como também não me prece boa ideia que se generalize o fenómeno comunicativo dos maestros que cada vez mais interpelam a audiência com preleções sobre o que se vai ouvir, tal como também não sou grande fã de solistas que fazem o número "ai que isto que eu estou a tocar é tão, tão difícil" ou o número segurem-me que estou quase, quase a chorar. Porém também não aprecio especialmente aqueles que parecem estar a beber um copo de água. Lembro-me por exemplo na Gulbenkian de um violinista a tocar o Concerto de Max Bruch que parecia mesmo estar a fazer um grande frete ... não gosto.

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  3. Caro Fernando,

    É um debate sem dúvida interessante, mas importa sobretudo não se tomar posições a preto e branco, sim ou não. Refiro-me apenas à expressividade do intérprete. Uma postura formal estática tanto pode ser sinal de sobriedade e interioridade como pode ser uma pose estudada para dar ares de falsa transcendência. Uma postura extrovertida e comunicativa tanto pode enriquecer a experiência (como devia ser a de ouvir/ver Mozart ao vivo) como pode ser uma estudada pose para obter popularidade junto de públicos jovens ou não "habitués". Cada caso é um caso e, como diz, o que vai definir tudo é a qualidade da música produzida. Não acho que Maria João Pires perca nada em ser tão tímida e reservada; ssim como acho que David Fray, de quem publiquei no Livro da Areia um vídeo demonstrativo, nada perde em ser tão movimentado e rico de expressóes e gestos.

    Quanto ao público, lamento mas prefiro sempre o silêncio total durante a música; não me importo de explosões de contentamento ( ou desagrado) assim que a música termina, ou no fim de uma ária de ópera particularmente brilhante.

    Público e intérprete não são simétricos, não têm os mesmos "direitos e deveres". Quem assiste deve o máximo respeito à obra, ao intérprete e aos restantes assistentes. Quem interpreta deve concentrar-se só na obra.

    Mário

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  4. @Mário: Tive de comentar num post ... aparentemente o blogger tem um limite na dimensão dos comentários. Por mim o programador que pensou nesse limite deveria ser exemplarmente castigado tendo de escrever no quadro 1000 vezes: Não imporei limites à expressão !

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