quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Barenboim - Na defesa da cultura em Itália

Retirado do Guardian:

Barenboim was made principal guest conductor of La Scala four years ago, with the title of maestro scaligero. Before raising his baton at the start of Richard Wagner's Die Walküre (The Valkyrie), the Israeli conductor turned to Italy's president, Giorgio Napolitano, who was in the audience, and said: "For that title, and also in the names of the colleagues who play, sing, dance and work, not only here but in all theatres, I am here to tell you we are deeply worried for the future of culture in the country and in Europe."


He then read out the ninth article of the Italian constitution, which says that the republic promotes "the development of culture and scientific and technical research". The same article also promises that governments will safeguard the country's "historical and artistic heritage". The audience broke into applause, with Napolitano joining in.

Em Itália a cultura é considerada como algo que vale a pena defender e o presidente não se esquiva em manifestações dúbias, aplaude. No exterior imagine-se houve distúrbios por causa destes anunciados cortes ... Não que defenda a violência, que não defendo, nem acho que seja solução para absolutamente nada mas tenho de confessar que não deixo de ter um certo prazer em perceber a emoção que uma decisão deste género provoca.

Quanto a Barenboim e ao que ele diz citando a constituição portuguesa que bem que nos faria alguém que tivesse a estatura para se levantar desta forma. A propósito a nossa constituição no Artigo 73 também diz que:

3. O Estado promove a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração com os órgãos de comunicação social, as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural, as organizações de moradores e outros agentes culturais.

e depois no artigo 75:

1. Todos têm direito à fruição e criação cultural, bem como o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural.

2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:

a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;
b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;
c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum;
d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;
e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais.

5 comentários:

  1. Boa, Fernando, obrigada por encontrar e postar estes artigos da Constituição Portuguesa - tinham de ser mais complicados, claro - que andam um bocado esquecidos.

    Parabéns a Barenboim pelo magnífico discurso (e pela direcção da orquestra, claro).

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  2. João Paulo Magalhães13 de dezembro de 2010 às 10:22

    O que escreveu acima não é conciliável com o que escreveu num post anterior:

    (...) mas também como lembrança a todos aqueles que perante a crise actual defendem soluções autoritárias. Lembrem-se que são essas soluções que limitam o talento, que centralizam, que promovem a visão de que a solução vem de um estado omnipresente e todo poderoso. São essas pseudo-soluções que nos conduziram ao estado de subserviência e de incapacidade de encontrar soluções por nós próprios, de nos revoltarmos mas não "contra" mas sim a favor de alguma coisa, de enfim fazer pelo nosso país. Sabem porque razão quando estão fora revelam os portugueses todo o seu talento? Porque tal como as crianças fora da casa dos pais já não esperam a protecção do seu messias.

    Trata-se do mesmo assunto. Se há alguma coisa de errado com a alta cultura em Portugal (mas também nos outros países) é que é totalmente dependente dos subsídios do Estado - e isso é que a tornou exangue. Por alguma razão o século XIX - do "terrível" laissez-faire, onde os artistas estavam em geral expostos às "agruras" do mercado - produziu das maiores obras da história da arte. A razão é esta, entre outras: a arte era feita para pessoas (o "temível" mercado), e não para uma côterie de burocratas. Este cerco erigido contra o mercado é o erro central do projecto modernista.

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  3. @Gi: Eu acho que há como em tudo o justo equilíbrio entre aquilo que é o papel do estado e do mercado. Neste caso em Itália parece-me que esse equilíbrio se pode perder.
    @João Paulo: Eu por acaso acho conciliável. Como em todas as coisas o equilíbrio é fundamental. A verdade é que sem mecenas - estado ou privados não haveria provavelmente nem uma Orquestra Sinfónica em Portugal. Dir-me-à que se não houvesse seria porque não a queríamos e que logo estaria tudo bem. Não confio assim tanto no mercado ... e olhe que no século XVII, XVIII e mesmo XIX não fossem os mecenas privados e não sei se teríamos a produção que refere. Por outras palavras acho que o Estado tem um papel a desempenhar. Há externalidades que como sabe nenhum mercado tem em conta. Agora se me disser que há recursos mal empregues no subsidio em peças sem real conexão com o público e que isso gerou uma corrente artística completamente desfasada do cidadão normal (ou mesmo culto) e logo com um valor que no mínimo se pode discutir, aí concordamos a 100%. Penso aliás que este é um tema que merece um post ... Obrigado pela atenção e pelo comentário.

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  4. João Paulo Magalhães13 de dezembro de 2010 às 22:08

    Não falo contra o mecenato privado. Pelo contrário, penso que tem um valor inestimável e permite de alguma forma colmatar a falta de procura de arte mais avançada - ie, mais "difícil" - que possa ocorrer quando a arte é sujeita à lógica de mercado. Tendo em conta o seu carácter voluntário e acima de tudo o seu carácter pessoal -isto é, onde o gosto ou entendimento de quem dá o dinheiro é o factor que mais importa- pode-se afirmar sem exagero que o mecenato faz parte do mercado. (Por oposição ao carácter necessariamente impessoal, coercivo e burocrático da subsidiação estatal com recurso a dinheiro de impostos de terceiros, que não têm nada a dizer sobre o destino desse dinheiro).

    Há falhas no sistema mercado+mecenato? Sim. Schubert morreu paupérrimo. (Mozart não - Mozart apenas gastou mais do que o muito que recebeu). Mas acima de tudo, há vitórias - inúmeros compositores e artistas que viveram - e bem - de vender a sua arte a outros, ou de convencer homens prósperos do valor da sua arte. O mesmo é muito difícil de dizer do sistema estado+estado da arte publicamente subsidiada do séc. XX, onde o artista passou apenas a curvar-se perante burocratas de gosto duvidoso - ou ao contrário (neste caso, tipicamente com base na inintegibilidade da arte em questão). Por isso, o séc.XX será concerteza visto no futuro como um interregno ultra-maneirista, artificial e especulativo, na história da música e da arte.

    Há vitórias? Sim, claro. Mas acima de tudo há falhas. Não me parece que essas poucas vitórias justifiquem os rios de dinheiro tirados aos pobres (porque pela força dos números, são esses que pagam a maior parte dos impostos) para subsidiar legiões de artistas bem-instalados e com gosto duvidoso.

    Uma coisa é certa. Apesar do que agora possa parecer, a produção de arte ocidental continuará a existir, com plena consciência do importante legado histórico (isto é, em continuação deste e não como hoje, em oposição deste), bem como um público informado e judicioso (assim haja prosperidade - o verdadeiro gerador da grande arte).

    Serve isto para dizer que subscrevo inteiramente o excerto seu que citei acima, mas vejo com desconfiança esta opinião comum de que o dinheiro dos outros nos é devido para que haja arte, e precisamente porque essa maneira de custear a arte a afastou do seu público.

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  5. Sabe João o que nos disse está na verdade a fazer-me pensar. É que eu partilhava consigo desde o inicio a opinião de que em parte a subsidiação estatal da arte a tinha conduzido ao afastamento do público ou pelo menos para isso tinha contribuído. Pensava no entanto que era necessário existir um equilíbrio. Neste momento admito que tenho dúvidas em relação a este ponto, embora ...

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