sábado, 25 de dezembro de 2010

O estado e a arte

Quero dizer-vos que este post num dia de Natal é eventualmente estranho mas hoje parece-me um bom dia para partilhar convosco uma dúvida que me assaltou nestes últimos tempos em grande parte depois deste post e dos comentários do João Paulo Magalhães que desde já agradeço pelo enriquecimento que proporcionaram a este blog e a todos nós.

Confesso que à partida a minha opinião sobre este tema era que o estado tinha um papel a desempenhar no apoio das artes e dos artistas subvencionando produções, instituições e artistas individuais para que estes pudessem apresentar ao público as suas criações. Pensava desta forma não obstante considerar de igual forma que esta lógica tinha ao longo do tempo criado uma arte excessivamente intelectualizada e conceptualizada ao alcance apenas de meia-dúzia de especialistas e que pouco tinha a ver com a sensibilidade do público mesmo considerando a parte do mesmo que se interessa por arte.

Tinha portanto uma opinião semelhante à da Gi que considera dever existir um justo equilíbrio. O João por seu lado pensa que tudo deve ser deixado ao mercado incluindo neste o mecenato privado porque, argumenta, neste caso há um julgamento de gosto individual baseado no mérito ou pelo menos fundamentado na absoluta e total voluntariedade do acto ao invés da subsidiação pública.

Para começar esta reflexão pelo seu inicio teria que conseguir responder a uma outra pergunta para a qual também não tenho uma resposta que me satisfaça completamente: Para que é a arte necessária, se é que é necessária ... Se entendermos por necessária o que nos mantém organicamente vivos então efectivamente a arte é algo que pode ser perfeitamente dispensado. Porém creio que o ser humano se distingue precisamente pela sua capacidade em pensar, em reflectir na sua necessidade de se exprimir. Neste segundo sentido mais lato a arte é fundamental.

Partindo deste ponto ou seja assumindo que a arte é uma forma de expressão da nossa necessidade de expressão (que pode ser de coisas tão tangíveis como a revolta contra a opressão ou tão intangíveis como a fé ou o amor) será que é necessário que o estado assegure este direito?  E se for necessário que o assegure como o deverá fazer? Pelo que vos mostrei da nossa constituição a resposta à primeira pergunta é sim: Constitucionalmente o estado tem o dever de nos garantir o acesso e os meios de expressão.

Continuando a admitir como correcta a anterior dedução: O estado tem o dever de nos assegurar o direito de acesso à cultura ou arte a questão que se coloca de seguida é como o deverá fazer. Neste momento em Portugal e na maioria das democracias europeias fá-lo de forma mais ou menos centralizada pelo lado da oferta subsidiando produções artísticas segundo critérios de qualidade avaliados por júris. Este processo assegura que existe produção e logo oferta artística a preços acessíveis a todos os que desejem usufruir dessa forma de expressão.

Será que esta forma funciona? Será que é a melhor forma de garantir que a necessidade que estabelecemos é satisfeita? É indiscutível que esta forma garante que existe produção artística. É também indiscutível que a garante para formas de arte que teriam no panorama actual muita dificuldade em subsistir doutra forma. O João Paulo pensa que é precisamente esse o problema. Dessa forma desconecta-se da realidade e ao invés de criar liberdade cria a necessidade de satisfazer júris e burocratas tornando-se dessa forma maniqueísta e propositadamente complexa (ou aparentemente complexa), formal e destituída precisamente da capacidade de exprimir e de ser entendida. Substituímos assim a subserviência dos artistas ao poder religioso dos períodos da renascença e barroco ao poder dos burocratas e dos "juris dos seus pares" ...

Invertendo a lógica actual existiria outra solução? Sim existe. Não é óbvia nem é claro que seja a melhor mas valha a verdade talvez valesse a pena pensar nela - pelo menos tem o mérito de ser bem mais democrática e sobretudo de assegurar a sua relação com as pessoas. Bom a outra forma seria obviamente investir na procura. Como ? Simples: Apostando na formação e na educação artística nas escolas neste momento considerada quase como um apêndice e proporcionando incentivos fiscais ao mecenato individual a pequena escala. Haveria assim mais público, público mais conhecedor, mais artistas e uma liberdade total na produção  - desde que houvesse público ... Mas existindo formação e educação de qualidade não seria isso quase que garantido para as formas de expressão com qualidade ?

Sinceramente não sei. Como disse num comentário ao João estou com muitas dúvidas e contrariamente a quem sabemos tenho muitas e engano-me bastante. Assim aqui fica para debate e reflexão o estado actual das mesmas.

1 comentário:

  1. Bom post, Fernando. Receio que seja difícil chegarmos a uma conclusão sobre este assunto.

    Idealmente, segundo as minhas convicções libertárias, não deveria ser o Estado a subsidiar as actividades artísticas, mas estas deveriam viver pelo que valessem; contudo sabemos bem que algumas dessas actividades (p. ex. a ópera) teriam/têm grandes dificuldades em sobreviver sem esses subsídios, e pelo menos para a minoria de aficionados, em que me incluo, seria uma grande perda se desaparecessem.

    Mais uma vez o ideal seria o mecenato privado, como disse o João Paulo Magalhães, mas verifica-se que pelo menos no velho mundo ele não chega. Podemos, claro, questionar se isso não se deverá ao nosso modelo económico-político que, cobrando tanto em impostos, transfere para o Estado os meios e as obrigações que deveriam ser dos privados.

    Ou seja: bastará abandonar o Estado social em favor do Estado pequeno para que estes temas se auto-regulem?

    Em todo o caso o Fernando tem razão: é preciso um grande investimento, e não só monetário, na educação, para que a solução de menos Estado resulte, não só em relação à arte como a tantas outras coisas. É pena que o slogan de Guterres, paixão pela educação, não tenha levado ao rumo certo.

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