Deixem-me que vos conte uma história que tem tudo a ver com música e com este meu post muito especial. A minha avó era farmacêutica. A ultima farmácia que teve era numa pequena aldeia francesa no meio de sítio nenhum. Uma daquelas aldeias que julgamos só existirem em filmes. A farmácia da minha avó também parecia ter saído desses mesmos filmes. Tinha um sino (verdadeiro, não electrónico) na porta que tocava quando um cliente entrava e ainda tinha daqueles recipientes enormes (pareciam-me) de vidro onde se vendia perfume a litro, perfume que cheirava a lavanda. A minha avó na verdade era farmacêutica mais pela razão do que pelo coração. Pelo coração era poeta e sobretudo música. Era poeta pela sua atitude em relação à vida era música porque tocava violino e piano e provavelmente teria sido essa a sua profissão caso não tivesse cedido a "razão" de uma vida talvez mais fácil. Mas isso são contas de outro rosário.
A minha avó tinha várias teorias invariavelmente poéticas sobre os negócios farmacêuticos. Dizia-me, quando passava as férias de verão com ela, que a música clássica atraía os clientes. Abria então as janelas do seu escritório e no seu piano começava a tocar. E invariavelmente os clientes chegavam mesmo e interrompiam aqueles momentos mágicos. A minha avó tocava muito bem, muito bem mesmo e em grande parte esses minutos introduziram-me à música clássica. Isso e a aparelhagem de alta-fidelidade que tinha na sala e onde ouvi vezes sem conta os seus discos, os mesmos, sempre. Garanto-vos que o Adagio de Albinoni ou Rachmaninoff ouvido no meio do campo com uma trovoada de verão no fundo e acompanhado com o cheiro intenso da terra molhada depois da chuva na terra ainda quente ganha todo o seu esplendor. Ainda hoje quando chove de verão e volta aquele cheiro oiço a mesma música e sinto-me feliz.
E vem tudo isto a propósito da segunda parte desta história. A minha avó era uma verdadeira poeta e ontem estivemos em família a relembra-la com velhas fotografias. Ontem nasceu outro poeta. O meu sobrinho Bernardo que tem oito anos leu-nos o seu primeiro poema. Este poderia ser uma excelente introdução à quinta sinfonia mas não é apenas isso. Foi o seu primeiro poema. Tal como a minha avó o meu sobrinho é um poeta.
O meu primeiro poema por Bernardo
És o fogo da minha alma
Linda como uma flor
e o terrível medo vai desaparecer
No meio da escuridão vi-me só contigo
Quero-te dar a luz, a glória e a esperança
És só o meu amor.
És o fogo da minha alma
Linda como uma flor
e o terrível medo vai desaparecer
No meio da escuridão vi-me só contigo
Quero-te dar a luz, a glória e a esperança
És só o meu amor.
Fiquem bem que hoje não sei se conseguirei escrever sobre a quinta sinfonia ... como sabem tenho concerto à tarde ... e depois outro tipo de música me aguarda.
E o que se aprende neste blog! Continue
ResponderEliminarAbençoadas as avós que tão profundamente marcam os seus. Felizes os que por elas foram tocados.
ResponderEliminarUm abraço.
PS. Aproveito para tentar esclarecer uma dúvida antiga (preguiça de consultar gramáticas): pode usar-se "música" como feminimo de "músico"? (já vi esta forma mas também "musicista").
Por muito estranho que pareça (a mim parece-me realmente estranho, mas é uma questão de hábito), aparentemente o termo correcto é mesmo música, como se pode ver no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:
ResponderEliminar[Pergunta]
A palavra músico, enquanto designação de actividade profissional tem feminino, ou seja, como designar uma mulher que se dedica à música?
[Resposta]
O feminino de músico, designativo de actividade profissional, é música! Fulana é música da orquestra tal.
Compreende-se que não caia bem, porque estamos habituados a dar outros significados a esta palavra. É tudo uma questão de hábito. E não há confusão porque a frase em que o substantivo música aparece inserido e a situação em que se emprega, imediatamente nos mostram de que se trata: arte de combinar os sons, composição musical, concerto musical ou instrumental, filarmónica, orquestra; e conjunto de músicos, no qual se encontra a música Fulana.
Antigamente, também havia apenas o juiz, o biólogo, o locutor, etc. E agora temos a locutora, a bióloga, a juíza.
A Língua Portuguesa está muito bem preparada para formar femininos, quando necessário, o que não acontece com outras. Ajudemo-la a conservar esta óptima característica.
J.N.H. :: 01/02/1999
Cristinags: Obrigado pelas suas palavras. Continuarei, claro. Volte sempre que será sempre bem vindo quem vier por bem apropriando-me de forma desenvergonhada das palavras do poeta.
ResponderEliminarPianoman: Como sempre atento ! Obrigado por me dissipar a dúvida com que fiquei a seguir ao comentário do Miguel.
ResponderEliminarMiguel: Obrigado! É de certeza uma felicidade para mim ter avós e avôs a quem devo muita da experiência de vida que tenho. A Lucienne Petit era (é na nossa memória) uma personagem única. Contei aqui apenas uma das suas muitas histórias, um dia talvez contarei outras.
Descobri o seu blog na "casa de maio". E feliz descoberta a minha. São espaços como o seu que fazem valer a pena continuarmos nesta navegação virtual. Obrigada!
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