domingo, 2 de março de 2008

Música por Lucienne Petit e Poesia por Bernardo

Não costumo neste blog fazer referências à minha vida para além de vos contar os concertos ou a música que ouvi. Hoje vou abrir uma excepção por duas razões. Fez ontem anos que a minha avó faleceu e Lucienne Petit foi certamente uma das razões pelas quais hoje gosto de música clássica.

Deixem-me que vos conte uma história que tem tudo a ver com música e com este meu post muito especial. A minha avó era farmacêutica. A ultima farmácia que teve era numa pequena aldeia francesa no meio de sítio nenhum. Uma daquelas aldeias que julgamos só existirem em filmes. A farmácia da minha avó também parecia ter saído desses mesmos filmes. Tinha um sino (verdadeiro, não electrónico) na porta que tocava quando um cliente entrava e ainda tinha daqueles recipientes enormes (pareciam-me) de vidro onde se vendia perfume a litro, perfume que cheirava a lavanda. A minha avó na verdade era farmacêutica mais pela razão do que pelo coração. Pelo coração era poeta e sobretudo música. Era poeta pela sua atitude em relação à vida era música porque tocava violino e piano e provavelmente teria sido essa a sua profissão caso não tivesse cedido a "razão" de uma vida talvez mais fácil. Mas isso são contas de outro rosário.

A minha avó tinha várias teorias invariavelmente poéticas sobre os negócios farmacêuticos. Dizia-me, quando passava as férias de verão com ela, que a música clássica atraía os clientes. Abria então as janelas do seu escritório e no seu piano começava a tocar. E invariavelmente os clientes chegavam mesmo e interrompiam aqueles momentos mágicos. A minha avó tocava muito bem, muito bem mesmo e em grande parte esses minutos introduziram-me à música clássica. Isso e a aparelhagem de alta-fidelidade que tinha na sala e onde ouvi vezes sem conta os seus discos, os mesmos, sempre. Garanto-vos que o Adagio de Albinoni ou Rachmaninoff ouvido no meio do campo com uma trovoada de verão no fundo e acompanhado com o cheiro intenso da terra molhada depois da chuva na terra ainda quente ganha todo o seu esplendor. Ainda hoje quando chove de verão e volta aquele cheiro oiço a mesma música e sinto-me feliz.

E vem tudo isto a propósito da segunda parte desta história. A minha avó era uma verdadeira poeta e ontem estivemos em família a relembra-la com velhas fotografias. Ontem nasceu outro poeta. O meu sobrinho Bernardo que tem oito anos leu-nos o seu primeiro poema. Este poderia ser uma excelente introdução à quinta sinfonia mas não é apenas isso. Foi o seu primeiro poema. Tal como a minha avó o meu sobrinho é um poeta.

O meu primeiro poema por Bernardo

És o fogo da minha alma
Linda como uma flor
e o terrível medo vai desaparecer
No meio da escuridão vi-me só contigo
Quero-te dar a luz, a glória e a esperança
És só o meu amor.

Fiquem bem que hoje não sei se conseguirei escrever sobre a quinta sinfonia ... como sabem tenho concerto à tarde ... e depois outro tipo de música me aguarda.

6 comentários:

  1. Abençoadas as avós que tão profundamente marcam os seus. Felizes os que por elas foram tocados.
    Um abraço.

    PS. Aproveito para tentar esclarecer uma dúvida antiga (preguiça de consultar gramáticas): pode usar-se "música" como feminimo de "músico"? (já vi esta forma mas também "musicista").

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  2. Por muito estranho que pareça (a mim parece-me realmente estranho, mas é uma questão de hábito), aparentemente o termo correcto é mesmo música, como se pode ver no Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:
    [Pergunta]
    A palavra músico, enquanto designação de actividade profissional tem feminino, ou seja, como designar uma mulher que se dedica à música?

    [Resposta]
    O feminino de músico, designativo de actividade profissional, é música! Fulana é música da orquestra tal.
    Compreende-se que não caia bem, porque estamos habituados a dar outros significados a esta palavra. É tudo uma questão de hábito. E não há confusão porque a frase em que o substantivo música aparece inserido e a situação em que se emprega, imediatamente nos mostram de que se trata: arte de combinar os sons, composição musical, concerto musical ou instrumental, filarmónica, orquestra; e conjunto de músicos, no qual se encontra a música Fulana.
    Antigamente, também havia apenas o juiz, o biólogo, o locutor, etc. E agora temos a locutora, a bióloga, a juíza.
    A Língua Portuguesa está muito bem preparada para formar femininos, quando necessário, o que não acontece com outras. Ajudemo-la a conservar esta óptima característica.
    J.N.H. :: 01/02/1999

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  3. Cristinags: Obrigado pelas suas palavras. Continuarei, claro. Volte sempre que será sempre bem vindo quem vier por bem apropriando-me de forma desenvergonhada das palavras do poeta.

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  4. Pianoman: Como sempre atento ! Obrigado por me dissipar a dúvida com que fiquei a seguir ao comentário do Miguel.

    Miguel: Obrigado! É de certeza uma felicidade para mim ter avós e avôs a quem devo muita da experiência de vida que tenho. A Lucienne Petit era (é na nossa memória) uma personagem única. Contei aqui apenas uma das suas muitas histórias, um dia talvez contarei outras.

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  5. Descobri o seu blog na "casa de maio". E feliz descoberta a minha. São espaços como o seu que fazem valer a pena continuarmos nesta navegação virtual. Obrigada!

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