segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Os vícios e as virtudes da gravação de uma forma de arte e de uma industria

Num artigo que neste momento circula na net um solista queixa-se de ter sido gravado quando em Londres interpretava o concerto para Violino de Brahms. O artigo completo em que o músico expõe por acaso de forma bastante equilibrada e interessante a sua opinião foi publicado no Huffington Post.

Vejamos então o que o músico nos diz e se me permitem irei contrapor alguns pontos que me parecem particularmente relevantes.

Primeiro diz que normalmente nas salas de concerto isto é proibido o que é absolutamente verdade. Raramente é permitida a gravação sem autorização. Existem alguma excepções mas por norma quem fez esta gravação cometeu uma ilegalidade mesmo que seja apenas para consumo próprio.

Diz-nos depois que até se sentia lisonjeado que alguém queira gravar e partilhar e reconhece que existe um valor nessa partilha em termos de notoriedade e de relações públicas. Até aqui concordamos totalmente. Admite ainda que essa gravação o dará a conhecer a pessoas que nunca teriam a oportunidade de o ver ao vivo. Perfeito estamos em sintonia.

Depois fala-nos dos pontos que considera negativos e aí é que começam as nossas divergências. Primeiro fala-nos da questão económica que quando alguém compra um bilhete é para ouvir essa perfomance uma vez e apenas uma e que a gravação dessa performance prejudica o seu rendimento enquanto artista que também tem CD´s e que espera uma remuneração pela sua venda. A razão da minha discordância com o músico tem simplesmente a ver com dois pontos muito importantes. A gravação de uma performance não deixa de ser uma gravação. Nunca a poderá substituir. Nunca uma gravação pode dar a mesma emoção do que a partilha ao vivo logo por mais que se deseje "gravar" esse momento existe uma vez e não é reprodutível. Pode obviamente o documento histórico, a gravação dar a partilhar essa experiência com outros mas será sempre diferente da presença no local. Depois obviamente uma gravação em smartphone nunca poderá ter qualidade sequer aproximada para se comparar a uma gravação comercial.

O músico fala-nos em seguida da partilha dos CDs e diz que alguma partilha dos mesmos é inevitável. Caro amigo obviamente é inevitável. Eu também partilho livros e outras obras de arte. Não as copio ilegalmente mas empresto-as e por vezes gravo-as para poder partilhar com mais pessoas. Esta partilha faz parte do direito de propriedade e querer privar um individuo desse direito no pressuposto que retira um beneficio ao artista é ridículo.

O problema é quando o valor do que estão a oferecer nessa embalagem é de tal forma desproporcionado do seu verdadeiro valor que cria o incentivo económico para a pirataria industrial. Não está nunca no "fair use" e partilha que sempre foi feita e é inerente à  própria forma de arte. convidar um amigo para ouvir em minha casa uma obra num CD que comprei o fazer o mesmo através da net é exactamente a mesma coisa. Não é essa partilha o problema porque essa tipicamente conduz a uma venda futura (uma ou mais). O problema que a industria tem de resolver isso sim é o valor do que está a oferecer e se o que está a dar corresponde efectivamente à necessidade de quem compra.

Fala por fim o músico do problema da gravação das falhas e de como isso pode prejudicar a memória que essa sim pode ser perfeita (ao invés da gravação ao vivo que nunca o será). Pois não nunca é. E é por essa mesma razão que hoje em dia tantas vezes não conseguimos apreciar os concertos ao vivo porque estamos obcecados com a perfeição de uma qualquer gravação. Ao vivo nunca será perfeito. Precisamente por isso é que não pode ser nunca "o mesmo" caro James Ehnes. As imperfeições não retiram valor acrescentam valor. Porque são humanas e porque a música é isso mesmo.

Mas não te levo a mal James Ehnes porque precisamente nesse ponto tocaste na verdadeira questão. É que as gravações, o hábito das gravações elevaram a nossa expectativa à perfeição. E por isso a cruel comparação do gravado ao vivo vos parece tão perigoso. Ou não ... porque será porventura a redenção da música: A percepção de que a gravação sendo perfeita não é a verdadeira obra. É uma cópia. A verdadeira é apenas e tão somente a que existiu ao vivo. Simplesmente naquele momento.

2 comentários:

  1. Cada vez mais se editam CDs com gravações ao vivo, muitas vezes melhores que as feitas em sala fechada. Claro que são autorizadas porque "correram bem". Mesmo assim, contesto que "ao vivo nunca será perfeito" - já tive a experiência de concertos perfeitos. Aliás, são esses que me levam às salas - são esses que valem mais que a gravação que tenho em casa.

    Porque afinal a gravação é também um momento único, perfeito ou imperfeito, nós é que o fazemos repetível ao reproduzi-lo repetidamente. Se o ouvíssemos uma só vez era uma experiência única :)

    Suponhamos que conseguíamos ir às 10 récitas de uma Traviata sempre com o mesmo magnífico cast; seria uma experiência enriquecedora, estaríamos a ouvir 10 Traviatas diferentes? Não seria bem melhor ouvir 10 gravações diferentes ?

    Finalmente: quando num concerto acontece aquele milagre raro, uma união quase divinal entre os intérpretes a obra, que nos arrepia, acha que nada disso passa para a gravação? Não digo que passe tudo, mas há gravações que conseguem quase tudo.



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    1. Hum quando falo em perfeição estou a falar da perfeição técnica, da afinação perfeita, dos tempos perfeitos e da justaposição de diferentes takes, da correcção "artificial" da afinação. Ouvindo uma gravação uma unica vez sim é verdade na primeira vez tem uma sensação de descoberta semelhante embora sendo gravado ... está removida em grande parte a hipótese de ter algo muito diferente. O fenómeno de uniformização de interpretação que a gravação introduziu é muito interessante de ser estudado. dez gravações diferentes da Traviata serão mais enriquecedoras que dez vezes a mesma récita com o mesmo cast? Pois não sei ... Diria que as dez recitas ao vivo serão sempre diferentes, mesmo que sejam com o mesmo elenco. Acho que para a gravação passa tudo excepto a emoção do contacto físico mesmo que visual e à distância ... há peças e tipos de música nomeadamente na música de câmara onde esse elemento é tão tão importante ...

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